segunda-feira, 6 de outubro de 2008

A profiláctica menina-de-cinco-olhos

Ainda não me esqueci que na escola primária dava erros que me fartava. Ás vezes era mais de uma dúzia! Como é que me havia de esquecer se por cada erro levava um bolo com a menina-de-cinco-olhos.A gente ficava a olhar para a palma da mão enquanto ela se avermelhava deixando cinco pontinhos brancos na sua superfície. Era lindo!
Depois criei o vício da leitura. Ele era o Diabrete, o Mosquito e o Mundo de Aventuras. Depois chegou o Emílio Salgari e Sandokan, O Tigre da Malásia, a que se seguiu o Júlio Verne e o Miguel Strogoff e o Mathias Sandorff e mais aquelas léguas todas pelo ar, no subsolo e debaixo d'água.
Quando tinha catorze anos já devorara de uma penada quase toda a colecção do Camilo que por acaso havia lá em casa e me tinha exaurido em lágrimas com o peso de tanta tragédia. Às tantas não havia controlo, tudo o que viesse à mão era para ser lido. Bom e mau!Mary Love, por exemplo, mais o seu Chauffeur Russo, tinha muita saída naquela época em que o romantismo ainda não tinha morrido totalmente. E então o Rabelais? Nessa altura li as "Lúbricas" e creio que até hoje nunca mais li nada do Rabelais. Mas aquele era "muita" bom! Contribuiu muito para a minha formação nessa específica vertente.
Claro que devo isto tudo à televisão, ou seja, à falta dela. A minha mãe chamava-me para almoçar duas ou três vezes e eu respondia que já ia, que estava mesmo a terminar aquela folha.
Hoje, chamo os meus netos para virem para a mesa e eles:
- Já vamos! O filme está mesmo a terminar.
Acabei por me apaixonar pela minha língua. Tanto, que tenho remorsos por não ter reservado mais tempo para o seu estudo. Sinto mesmo que lhe poderia ter dedicado toda a minha vida.Por essa razão, embora aceite que a juventude esteja a inventar uma nova escrita baseada em iniciais, abreviaturas e símbolos, eu, apesar dessa compreensão, já não tenho estaleca para iniciar outro aprendizado, mesmo agora que nem nos antiquários se encontra uma menina-de- cinco-olhos.
Há lá alguma coisa mais cativante do que construir uma frase?! Se um erro me dá um calafrio, dois erros provocam-me uma constipação. Os meus erros, como é evidente.
Não é por isso de admirar que esteja sempre com o pingo no nariz.
Mas que luto? Lá isso luto!
Nestes espaços em que trocamos e discutimos ideias não é bonito andar a comentar os erros gramaticais que cada um de nós possa cometer por isso existe uma espécie de acordo tácito para o evitar. Mas como não há regra sem excepções isso já tem acontecido algumas vezes. Pessoalmente não me importo que me corrijam, seja no aspecto gramatical ou sintáctico, até agradeço.
Nesta época de extraordinário desenvolvimento tecnológico temos á nossa disposição equipamento adequado para nos alertar dos erros cometidos. Embora a maior parte das vezes escrevamos directamente no "sítio", aconselho vivamente o uso do Word, que não sendo perfeito é, contudo, um óptimo instrumento para aprendermos a escrever o mais correctamente possível. Depois é só copiar e colar. Mesmo com muitas falhas alguns aspectos como os erros de concordância são também detectados. Uma limitação que o sistema apresenta é o da observância dos contextos. Se eu escrever, por exemplo:"Quando entrei no cons0lado de Portugal em Marrocos, fiquei consulado com a recepção, o Word, impávido e sereno, fica mudo. Contudo, noutros tempos, dava direito a dois bolos com a menina-de-cinco-olhos.
Desculpem o devaneio.
A.M.

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