quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Prefácio

… para um maço de folhas de A4 dobradas ao meio, constituídas em cadernos, devidamente cosidas, coladas e encapadas, onde registei algumas memórias.

Mandei assassinar o freixo que eu próprio plantei junto ao portão. Algumas árvores que cultivei ao longo da vida morreram de morte natural, ou de alguma doença que a minha inépcia não permitiu cuidar; esta, depois de mais de trinta anos de existência, foi executada no início da primavera do ano de 2003. Já as primeiras borbulhas despontavam nos ramos ainda nus, quando um algoz munido de potente moto-serra cumpriu a sentença. Enquanto decorria a operação do desmembramento, lento e doloroso, o carrasco procurava justificar a legalidade do acto, na vã tentativa de me confortar:- Está no seu terreno, você é que a plantou, portanto…Eu ainda arrisquei:- Pois é, também plantei dois filhos no mundo, e nem por isso sou dono das suas vidas. Mais tarde veio uma máquina que arrancou a raiz, deixando no chão um estigma que me atormentou durante muito tempo. A magnólia, que nunca viu o freixo por se encontrar no lado oposto da casa, não se apercebeu do crime e ofereceu-me a sua sombra para me revigorar. E pensar.Creio que foi nesse dia que resolvi fazer a última das três coisas que dizem ser imprescindíveis para um homem se considerar realizado. Não especialmente por esta razão, mas por sentir necessidade de deixar registadas algumas coisas que ao longo dos anos fui escrevendo aqui e ali e juntar-lhe mais alguns episódios dos meus 67 anos de vida. Agora, enquanto houver memória, é o tempo.Quero ainda confessar que não sou homem de pedantices, pelo que não tenho a pretensão megalómana de construir um romance, uma novela, nem sequer um diário. Serão folhas dispersas, algo desordenadas, que só o meu passatempo de encadernador e as tecnologias informáticas permitiram constituir em livro, ou não-livro se preferirem.
Algumas histórias verdadeiras, outras nem tanto, editoriais que publiquei no “O Voador”, cartas que enviei para alguns jornais, comentários sobre diversos assuntos e talvez até mesmo uma ou outra anedota, são o conteúdo deste apesar-de-tudo-trabalho.Para terminar resta-me acrescentar que são os meus netos os primeiros destinatários. Não fossem eles nem a ideia me teria surgido. Pretendo que, como adultos, possam corrigir o registo que, como crianças, fizeram de um período das suas vidas. Espero que me saibam encontrar, pois eu estou aqui.
A.M.

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