terça-feira, 25 de janeiro de 2011

LULAS RECHEADAS À RIBATEJANA

Dizem que cozinhar é uma arte.
Acredito que seja.
Mas como ninguém nasce ensinado, mesmo que se possua alguma “queda”, é preciso aprender e praticar. Só depois temos o direito de inventar.
Tenho um amigo que cozinha pelos livros, mas como por vezes não tem os condimentos aconselhados para uma determinada receita substitui por outros. Se por acaso faz bacalhau espiritual e não tendo queijo ralado o substitui por pão ralado, já está a inventar – acabou de fazer um prato diferente.
Se resulta e até fica melhor deve registá-lo com outro nome.
Poderia chamar-lhe bacalhau místico, por exemplo.
Poder-se-á dizer que foi uma descoberta feita por acaso?
Afinal o que é o acaso? Ocaso sei o que é, já que estou a passar por ele, mas e… o Acaso? Existe?
Dizem que a invenção do micro-ondas teve origem ocasional. Estava um tipo chamado Spencer a passear em frente de um radar, fumando o seu cigarrinho quando percebeu que uma barra de chocolate, que tinha no bolso, se havia derretido. Abriu a boca espantado e disse:
- Eureka!
Colocou então uma tigela com pipocas em frente do radar e elas começaram a estoirar.
Claro que não acredito nesta patacoada. Por duas razões. A primeira porque antes da invenção do radar já eu era vivo e lembro-me muito bem de os chocolates se derreterem no bolso do bibe, deixando a minha pobre mãe muito apoquentada. Em segundo lugar porque não se consta que o Spencer se visse obrigado a tomar cantárida (o viagra ainda não fora inventado) por andar a passear em frente do radar.

Sei do que falo!
Bem, vamos lá à receitazinha das lulas recheadas à ribatejana.

Estava eu a cumprir a minha missão de cozinheiro descartado pela “Teleculinária” do famoso Mestre Silva, quando deparei com uma gralha.
A primeira coisa que se aconselha é cozer o arroz e reservar.
Mas nunca mais se volta a falar no arroz.
Mas, caramba, quando é que entra o arroz? – mio eu.
Espera aí que já te digo! – acrescento
Vou ao Google e escrevo “lulas recheadas à ribatejana”

Saiu-me isto na rifa:

Para as lulas: 1,200kg de lulas, 0,5dl de azeite, 100g de toucinho entremeado, 80g de chouriço de carne, 1 dente de alho, 1 pimento verde, 1 cebola, 1 folha de louro, 1 colher bem cheia de farinha, 2,5dl de leite, 1 raminho de salsa, sal e pimenta q.b.

Para estufar as lulas: 0,5 dl de azeite, 1 dente de alho picado, 5 colheres de polpa de tomate, 1 dl de vinho branco e 2 dl de água.
Acompanhamento: puré de batata.

I
Primeiro, o arroz, deve cozer,
Em água, que se pretende, abundante,
Não, mais de oito minutos, deve ser,
Pondo-o, a escorrer, no mesmo instante.
II
As lulas, de boa dimensão,
Antes de mais, são amanhadas,
Tendo, quanto aos sacos, atenção,
Evite as esperanças defraudadas.
III
Toucinho e chouriço, bem picados,
E o pimento que, também, fino ficou,
São, com cebola e alhos, misturados,
Se, de igual modo, os já tratou.
IV
Os tentáculos e as cabeças que amanhou
E que, na picadora, fez passar,
Junte tudo aquilo que picou
E, leve, no azeite, a refogar.
V
Vai mexendo, com colher apropriada,
Até dar mostras de alourar,
Por cima, a farinha, é já espalhada,
Para, depois, a bem incorporar.
VI
Logo que, a farinha, incorporou,
É tempo de o leite, em fio, deitar
E, usando a colher que sempre usou,
Mantenha, até, fervura, levantar.
VII
Mas, antes de, do lume, retirar
O tacho, onde tudo se passou,
Esse preparado vai provar,
E veja, se o tempero, já lhe bastou.
VIII
Nas lulas, vai, o seu recheio, deitar,
Ficando por menos de metade,
Palitos, depois, irá usar,
Fechando, os sacos, de verdade.
IX
Prepare, então, outro refogado,
Com cebola e alho, bem picados,
No azeite, acima, aconselhado,
Até que fiquem alourados.
X
É, agora que, junta todo o vinho,
Tal como a polpa, vai juntar,
Coloca as lulas, com jeitinho,
E, com um pouco de mais água, as vai estufar.
XI
Assim que as der por cozinhadas,
É tempo, da travessa preparar,
E, sendo, dos palitos, libertadas,
Com simetria, as vai lá colocar.
XII
Regadas com molho de as estufar,
Por puré de batata, rodeadas
E, com ramos de salsa a decorar,
Serão, então, na mesa, apresentadas.

Como podeis ver o arroz também desapareceu.
Será que o arroz é só para atrapalhar?
Tal como as bolas na adivinha do farol?

Não posso deixar de mencionar o poeta deste trabalho, Fernando Carreira, a quem em sinal de agradecimento interrogativo, deixei os meus versos:

Nesta rimada receita
O arroz fica a matar.
Sendo o primeiro a entrar
Não dizem quando se deita.
E ali fica o arroz cozido
Esperando ser chamado
P’ra cumprir sua missão.
Chega ao fim arrependido
Por ter sido nomeado
Para tão inútil função.
A.M.

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