segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Entre a delicadeza e a grosseria

Não deve haver ninguém que sendo convidado para jantar em casa de amigos não tenha sido confrontado, durante o repasto, com a sacramental pergunta da anfitriã:
- Então? Está bom?
- Está uma delícia, minha amiga! Divinal!
Manda a delicadeza, a boa educação e o respeito pelo sentimento dos outros que respondamos deste modo, mesmo que a paparoca esteja um pouco menos do que intragável.
Há, todavia, quem defenda que a mentira piedosa não tem razão de ser e, sejam quais forem as circunstâncias, a verdade nua e crua deve ser dita. Não proceder deste modo, é sinal de cinismo e embuste – acrescentam.
Se eu criticar a sopinha porque está salgada, ou pedir um serrote para cortar o bife, o mais certo é nunca mais ser convidado para jantar por estes amigos. E terei muita sorte se o episódio não circular rapidamente contribuindo de modo decisivo para o meu isolamento.
Todavia, também podem surgir alguns problemas se eu mostrar algum apreço pelo menu.
Há uns anos, durante um jantar em casa de um amigo com quem tenho alguma confiança, serviu-me um vinho, que tinha comprado numa passagem por Pias, (e que bela pinga ali há). Este, contudo, era uma zurrapa sem classificação possível.
Lá veio a sacramental pergunta:
- Gostas deste vinho?
- Não é mau. É agradável.
- Comprei um garrafão dele, mas não me sabe bem.
Tempos mais tarde veio a minha casa e trazia o garrafão do dito:
- Como gostaste, lembrei-me de o trazer.
Raios, não se pode ser bom – pensei com os meus botões.
No dia seguinte lembrei-me que tinha comprado na feira das Caldas meia dúzia daquelas estupendas e inovadoras caixas que se usam para embalar o vinho e que têm a enorme vantagem de não o deixar oxidar à medida que o vamos usando e… zás, toca a trasfegá-lo
Foi parar à arrecadação onde ficou esquecido durante mais de dois anos.
Precisamente até ao dia em que depois de uma visita que me fez, lhe resolvi oferecer um vinho que tinha comprado na cooperativa agrícola de Alenquer, com fama de ser uma pomada de se lhe tirar o chapéu.
E lá foi ele, de regresso a casa, carregando o mesmo vinho que me tinha oferecido anos atrás.
Quando voltei a encontrá-lo não resisti a perguntar-lhe:
- Então o briol? Que tal?
- Olha, já não resta nada! Que espectáculo!

Ainda hoje não sei se a zurrapa se tinha regenerado, ou se esse meu amigo também pertencia ao grupo das pessoas delicadas, que não gostam de ferir susceptibilidades.
A.M.

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