Sr. Primeiro-ministro,
Não perco uma intervenção sua. Se não for em tempo real será
em diferido. O único objetivo que me move é saber onde é que meu orçamento vai
sofrer mais um impacto negativo, para imediatamente reformular, ou se preferir
refundar, o meu orçamento familiar de modo a conseguir viver sem apresentar um saldo
negativo no fim do mês. Nesse sentido aceito sugestões de familiares e amigos
para reduzir a despesa do agregado mas sem nunca perder a noção de que os bens essenciais
devem ser preservados. Não vou cortar no pão para comprar tabaco. Não vou ao
cinema para poder pagar a taxa moderadora de uma consulta médica. Continuo
ainda a abastecer-me de leite mas tive que mandar deitar meias solas nos
sapatos em vez de comprar uns novos. Deixei de comprar o jornal diário para poder
deliciar-me com a bica matinal. Não houve prendas no Natal nem festejei o ano
novo para poder comer um bife de vez em quando, do pojadouro porque é mais
barato. Tenho o automóvel parado à porta há mais de 1 mês, meio atestado, porque
com gente doente em casa nunca se sabe quando pode acontecer uma emergência.
Enfim, faço o que posso para manter o bote a flutuar.
Vossa Excelência comanda um Transatlântico e os passageiros
estão a viver pior do que a marinhagem. Qualquer dia, se não aparecer um
iceberg pelo caminho, não há passageiros a bordo, se, atendendo ao seu pedido,
se atirarem pela borda fora.
Em quase todas as suas intervenções, se nos esquecermos das
que fez na campanha eleitoral, desculpa-se com a governação anterior (por acaso
logo que tomou posse ouvi-o dizer que nunca iria usar essa desculpa) e
ultimamente tem-se referido à necessidade de convergirmos com os outros países
em áreas como as despesas da saúde, a diminuição dos dias de indemnização por despedimento,
à redução de pensões, ao número exagerado de funcionários públicos, de
professores, etc.
Qualquer área em que pretenda impor mais austeridade lá vem pendurada
na sua intervenção a explicação de que devemos convergir com a média europeia.
Isto é falacioso.Quando alguém emigra para um país não deve preocupar-se apenas com o vencimento que vai ter, o qual é sensivelmente maior em qualquer país da EU incluindo a Grécia. É mais sensato saber quantas horas tem de trabalhar para poder comprar um frango, 1k de pão, de feijão, uma bilha de gás, ou o preço da viagem para o emprego, enfim, tudo aquilo que deve fazer parte dos gastos de qualquer família. Se nós temos o salário mínimo mais baixo da União, Vossa Excelência não deve procurar nivelar pelos outros, apenas aquilo que lhe interessa para justificar um aumento de despesa ou um corte no rendimento de qualquer família. Deve atender também à relação do preço dos bens que é preciso comprar para se viver com alguma dignidade e o seu próprio salário, rendimento ou pensão. O Sr. Primeiro Ministro acha que uma pessoa a viver com 485 euros na Alemanha poderia sobreviver? Só se fosse a bolachas d água e sal… e racionadas.
Descarregar no governo anterior a culpa da situação em que
nos encontramos é uma fórmula estafada que os dois partidos que se têm
alternado no governo têm usado depois das primeiras legislativas. Se nos
primeiros anos se desculparam com as governações anteriores de Vasco Gonçalves,
passado alguns anos passou a ser ridículo fazê-lo e desde então atacam-se mutuamente.
Se é certo que os partidos se distinguem por possuir ideias políticas
diferentes, a luta pelo poder não justifica que não haja acordos pontuais para se
conseguir o desenvolvimento sustentado do país e a estabilidade e qualidade de
vida dos portugueses.
Apenas um exemplo: Vai fazer 36 anos no próximo dia 25 de
Abril que se realizaram as primeiras eleições legislativas. Passados 36 anos (tempo
de serviço para a reforma) os funcionários públicos de então estarão todos mortos
ou reformados.
Se existia, em comparação com outros países da Europa um peso
excessivo de funcionários públicos no nosso, não teria sido difícil fazer um
acordo sobre a forma de reduzir esse peso de uma maneira calma e ponderada, equilibrando
a sua saída para a reforma com o uso dos meios informáticos já então
disponíveis. Uma coisa que podia ter sido feita sem dor ou sobressaltos é agora feita em lotes de 40 mil despedimentos.
Sr. Primeiro-ministro,
se o sistema de partidos está hoje desacreditado ao ponto de se equacionar uma outra
forma de governação, talvez mais representativa ou mesmo nada representativa como
a que havia quando Vossa Excelência tinha 10 anos de idade e ainda jogava ao
berlinde, a quem vão deitar as culpas os dois alternantes no poder?