Quando o tempo muda de cara só nos resta trocar-lhe as voltas elaborando um novo plano de actividades. Ir para a rua está fora de questão e no aconchego da casa a pinha solta-se, vai à deriva e se não a castigarmos imediatamente com uma qualquer ocupação desata a remexer no baú das velharias. Uma delas, cuja importância na escala de afazeres varia em função do boletim meteorológico, é, efectivamente, o meu rico PC.
Os mais velhos associam a sua existência e principalmente o seu uso à degradação dos princípios e costumes do nosso tempo e chegam a ter-lhe um ódio de morte, mas eu acho que o problema é outro.
Foi o que resolvi fazer, quando espreitando pela janela o céu revolto, uma página sem data se soltou da barafunda da arca e ficou ali a pairar à minha frente.
Falava de Rocambole. Só podia ser coisa muito antiga dado que a última vez que estive com Ponson du Terrail foi mais ou menos na mesma altura em que visitava regularmente o Júlio, sim, esse mesmo, o Verne e creio que o Salgari também estava muitas vezes presente.
A certa altura cheguei a comparar Ponson com Camilo, por associá-lo ao lote de escritores prolíferos. Diz-se que Camilo escreveu o Amor de Perdição em apenas quinze dias quando estava com um febrão dos diabos. Ou seria o Amor de Salvação?
Não era com certeza “Memórias de um suicida”.
O autor de Rocambole escrevia com uma velocidade impressionante e não fazia revisões.
“O comandante passeava com as mãos nos ombros lendo o jornal” parece que foi uma frase que todos os seus leitores mais atentos, nunca entenderam. Exprimia-se com enorme profusão de palavras para explicar coisas supérfluas, mas eu, naquela idade li-o com muito agrado. Os leitores gostavam tanto dele, que quando resolveu matar “Rocambole” protestaram tanto e tão alto, que o escritor teve que ressuscitá-lo. Então, o livro seguinte começava assim:
“Como a perspicácia dos nossos leitores adivinhou, Rocambole segue vivo”.
Era porreiro! Que tempos bons!
Aliás como estes, em que ainda cá estamos para recordá-los.
De qualquer modo, se não fosse ele, no dicionário rocambole seria apenas uma dança ou um bolo, como por curiosidade fui ver ao De Morais.
Se a gente for perguntar a um infante qualquer, por exemplo ao meu neto, o significado de rocambolesco ele não vai saber, mas a palavrinha lá está nos dicionários em memória do tipo que apesar de prolixo enriqueceu o léxico de muitos países.
Tivesse a nossa juventude lido Rocambole!
Morto e enterrado definitivamente com o seu progenitor, Rocambole revive permanentemente no espírito de muita gente que teima em complicar o que é simples, tecendo teias mirabolantes para tentar concluir o inexplicável.
O infinito, por exemplo.
Vamos mas é almoçar que se faz tarde!
A.M.
2 comentários:
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amiga
Rocambolei
com as tuas palavras !
gostei !
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conchinhas,
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Poetatués, sem dúvida.
Mas não me atribuas um género que já não tenho idade para assumir, mesmo que quisesse. E não quero!
Brincando...!?
Um abraço
António Mata (AM)
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