quarta-feira, 28 de setembro de 2011

O Crime de Serrazes

De facto, não tenho a mais pequena dúvida de que, com o peso dos anos, aumenta a atenção que damos a factos que, ou nos passavam despercebidos ou simplesmente desvalorizávamos.


Creio que isto se deve a três factores principais.
1º - A importância que atribuímos ao “tempo que nos resta para viver” e que, imparavelmente, nos conduz para um estádio de alerta muito mais apurado e interessado.
2º - O conhecimento, e apesar de tudo, também o saber, acumulados durante décadas.
3º - E não menos importante: o interesse em procurar ainda, apesar da idade, uma verdade que nos escapa, mas que perseguimos ainda, como se procurássemos arranjar um fecho dourado e digno para o nosso fim.
Deste modo, não há um único dia em que numa conversa com familiares ou amigos, numa notícia da imprensa falada ou escrita, às vezes até num sonho, surjam as molas impulsoras que nos levam a reviver, compreender e relacionar com a actualidade, factos passados há muitos anos.
Tendo iniciado um trabalho para uma amiga de família que muito estimamos e que consiste em copiar um livro antigo, editado em 1922, sobre um crime muito falado na época e referenciado como “Crime de Serrazes”, com a finalidade de fazer uma pequena edição familiar, fui confrontado com factos que buliram com a minha imaginação e me levaram a tentar compreender os valores e comportamentos daquela época quando comparados com aqueles com que hoje nos defrontamos.
Como é evidente não vou maçar ninguém com a pesada retórica dos julgamentos, da acusação pública e privada, da defesa e ainda com as repetições exaustivas das testemunhas. Só pretendo referenciar um outro aspecto que despertou o meu interesse.


Por exemplo:
O segundo julgamento deste crime, depois do primeiro feito S. Pedro do Sul, realizou-se em Coimbra. Dado o grande impacto que teve a nível nacional, com o aproveitamento exploratório da imprensa, (de que alguns jornais são hoje dignos representantes) geraram-se alguns conflitos, que a certa altura envolveram a Universidade de Coimbra acusando-a de favorecer ou apoiar uma das partes em litígio.
Geraram-se no interior da universidade alguns movimentos que através de declarações para a imprensa ou mesmo para o ministro da justiça, procuravam justificar e provar a neutralidade de Universidade neste caso.
Transcrevo a declaração que foi enviada para o Ministro da Justiça à época.
"Tendo-se praticado em Coimbra, depois do julgamento do crime de Serrazes, factos que, representando a subversão dos mais elementares princípios da ordem, e de desacato às decisões judiciais, constituem ao mesmo tempo uma ofensa à dignidade de homens que cumpriram honradamente um dever de consciência, os abaixo assinados exprimem o seu protesto contra esses excessos, sem que isto signifique de modo algum uma censura ao gesto daqueles que tenham assinado o pedido de indulto, movidos unicamente por um sentimento de piedade."


Coimbra, 30 de março de 1922


Eugénio de Castro
Mendes dos Remédios
Oliveira Guimarães
Gonçalves Cerejeira
Guilherme Moreira
Álvaro Villela
Alberto dos Reis
Paulo Merêa
Fésas Vital
Magalhães Collaço
Oliveira Salazar
Beleza dos Santos
Manuel Rodrigues
Cabral Moncada
Mário de Figueiredo
Adelino Vieira de Campos
Serras e Silva
Elísio de Moura
Álvaro de Mattos
Novaes de Sousa
Souto Rodrigues
Bernardo Ayres
Euzebio Tamagnini
Egas Pinto Basto
Luiz Carrisso
Pereira Dias


Lendo os nomes dos declarantes, deu-me na veneta investigá-los, agora que nem é preciso ir à Torre do Tombo, pois ela vem até nós. Se tiverdes o mesmo interesse verificareis que uma grande parte dos assinantes vieram a ser membros dos governos de Salazar como responsáveis em diversos ministérios e outros, que pela idade deviam ser professores, eram apaniguados de João Franco e tinham servido a monarquia até à implantação da república. Creio que Gonçalves Cerejeira era professor de teologia da Universidade, disciplina que mais tarde acabou por ser extinta.


Ora bem! Afinal o que mudou neste país?
Creio que foram só as moscas!
Amen!
A.M.

2 comentários:

Carlos disse...

P. Ex., que reservas lhe merecem nomes como o de Elísio de Moura?

Anónimo disse...

Nove anos depois, revisitando este espaço, reparo que não respondi a uma pergunta.
Não tenho culpa de Elísio de Moura tenha aposto a sua assinatura em tal documento.
Reconheço o seu prestígio e a sua obra. No que respeita ao seu apoio, ou quando muito à sua conformação com o Estado Novo, que o condecorou por duas vezes, não posso advogar.