Há dias veio parar à minha caixa de correio um “panfleto” (chamemos-lhe assim) que continha o nome de diversos administradores de empresas públicas e semi-públicas denunciando o que recebem pelas presenças nos respectivos conselhos de administração.
Alguns deles já estiveram presentes em programas televisivos debitando a sua opinião sobre a crise económica e os caminhos para a resolver do qual sobressai em primeiro lugar a poupança. É preciso poupar! – Recomendam. É preciso fazer sacrifícios! – Acrescentam.
De sacrifícios falou também S. Exa. o Presidente da República:
“Acabaram as ilusões”.
“Os sacrifícios não bastam”.
“É necessário pôr a economia portuguesa a crescer”.
“É crucial poupar mais, trabalhar mais e melhor”.
E recomendou:
“Os detentores de cargos púbicos devem dar o exemplo.”
Acabaram as Ilusões? Para quem?
Quem é que tem de poupar mais?
Quem é que tem de fazer sacrifícios?
Exemplificando:
Um desses administradores recebeu 193.000 euros num ano, tendo participado em 33 reuniões, o que dá 5.300 euros por reunião. Se as reuniões durassem, que não duram, oito horas teríamos 33x8 = 264 horas de trabalho, que sendo quociente de 193.000 euros representaria cerca de 730 euros por hora.
Este administrador participou em diversos programas de televisão como economista e também, tal como outros recomendou poupança e sacrifícios.
Creio que a ele e os outros como ele (que são muitos) nunca foram confrontados com um pedido de auxílio de outros (que são muito mais) no sentido de lhes ser explicado como e onde devem poupar.
Foi o que aconteceu a um economista depois de numa estação radiofónica afirmar que já há mais de dois anos vinha dizendo que era preciso poupar.
- Desculpe, Dr. acabei de o ouvir e gostava que sugerisse onde e como devo poupar, para não me endividar mais do que já estou.
- Sei lá! Olhe, por exemplo, reduza o consumo do tabaco.
- Calha bem. Eu nem fumo.
- Faça apostas mais moderadas no Euro milhões.
- Nunca joguei.
- Então deixe de ir ao futebol.
- Já me deixei disso, desde que o Matateu saiu do Belenenses.
- Use menos vezes o carro. Vá para o emprego de autocarro ou de comboio.
- Não tenho carro e às vezes até vou a pé
- Mau, experimente ir jantar fora, menos vezes.
- A última vez que fui comer fora de casa foi há 10 anos. Fui com a mulher e os filhos ao Frango na Púcara em Almargem do Bispo.
- E não consegue poupar no consumo da água, do gás, da electricidade?
- Lá em casa está estipulado que ninguém pode estar debaixo do chuveiro mais de minuto e meio. Há dias vendo que se tinha esgotado o tempo a que o meu filho tinha direito – zás, fechei o esquentador. Quando ele saiu a tiritar, avisei-o: – Para a próxima fecho-te a água!
- Caramba, deve haver qualquer gasto que possa evitar. Em vestuário, calçado, por exemplo?
- Ultimamente a mulher corta a fralda das minhas camisas para fazer os colarinhos que de tão puídos até já se vêem as entretelas. O calçado? Vou comprar aos ciganos ou aos chineses, daqueles “use e deite fora”. Mandar pôr meias solas sai mais caro.
- Realmente não vejo…
- Para lhe poupar mais sugestões digo-lhe que só corto o cabelo 4 vezes por ano, só faço a barba de três em três dias porque as gilettes são caríssimas, lavo a cabeça com sabão azul, só ponho meio centímetro de pasta na escova de dentes e uso papel higiénico de folha simples.
- Sim, realmente… Tenho que ir andando.
E foi. Enfiou-se no volvo S 60 e saiu acelerado. Era hora de almoço e a mulher estava à sua espera no Gambrinos.
A.M.