Alguns amigos sabem da necessidade que sinto em regressar à gleba original, pesquisar nas ruas, na beira do rio ou no pinhal sobranceiro, algum vestígio que me re constitua e alente para singrar mais algumas milhas no mar do quotidiano.
Parto sem planos, sem regras, sem mapas. O que for soará!
Dois ou três dias depois, regresso com o casco restaurado e as velas remendadas.
Um dia, ao passar em frente da casa onde nasci e vivi até aos 17 anos, senti uma irreprimível vontade de revê-la por dentro - o meu quarto, a estante com livros, a lareira, a escada que dava para o quintal, o alpendre, o misterioso sótão.
Mal dei por mim batia à porta e pedia desculpa à simpática senhora que me atendeu por não ter conseguido reprimir o impulso de revisitar a casa donde saíra há mais de 50 anos.
Convidou-me a entrar e ali estava eu a mirar e a medir espaços, revolvendo a arca das recordações.
O meu amplo quarto de criança encolheu repentinamente e as portadas das janelas já não me pareciam conventuais. O largo e comprido corredor que atravessava toda a casa e desaguava na cozinha através de uma misteriosa meia-porta já não era a antiga pista de corridas.
Na varanda das traseiras estava um gato dormitando ao sol, mas não era o Cuco, e o cão preso por uma corrente ao fundo das escadas não era o Kiss.
Dali, olhei todo o quintal. Era comprido, feito em socalcos e percorrido lateralmente por uma passagem com degraus que ia até lá acima à última courela. Em cada uma delas havia um tanque do lado esquerdo dos quais saiam caleiras que transportavam a água ao longo de cada plano de terreno.
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Naquele dia o avô andava a regar os pés de laranjeira plantados há poucas semanas na última courela. Eu olhava com admiração a facilidade com que transportava os grandes baldes de água que retirava dos tanques. Por vezes parava para descansar um pouco e procurava-me com a vista para se certificar que não havia maroteira.
- Chega aqui, anda cá ver um bicho!
Aproximei-me desconfiado.
E lá estava a fera, negra e amarela, viscosa como uma lesma.
- É uma saramantiga – ensinou-me o avô.
- Vou contar à mãe que vi uma saramantiga – disse eu excitadíssimo – partindo numa correria direito a casa para partilhar o grande acontecimento.
Para não me esquecer do nome, pelo caminho, ia repetindo, saramantiga… saramantiga.
A meio do percurso já dizia, saramanteiga… saramanteiga.
Quando esbaforido cheguei ao pé de minha mãe gritei entusiasmado:
- Mãe, ó mãe, eu vi uma manteigueira.
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Realmente o quintal não era assim tão grande.
Para uma criança como eu, tinha precisamente o comprimento que vai de uma saramantiga a uma manteigueira.
1 comentário:
ah ah ah
ah ah ah
Só tu para me fazeres rir às garganhadas a esta hora...
Em primeiro, pela fotografia e depois pela hstória. Muito fixe!!!
Veijios
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