terça-feira, 18 de maio de 2010

O puré de batata

Não estou com disposição para voltar ao tema dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Já sei quem é a favor e quem é contra, conheço as razões em que se apoiam uns e outros e, ao fim e ao cabo, como já foi tomada uma decisão, o assunto esmoreceu.

Ouvi-a ontem, logo a seguir ao telejornal, enquanto descascava batatas para fazer um puré que acompanhasse umas fatias de carne assada.
Era o nosso Presidente em pessoa desculpando-se por ter que promulgar a malfadada lei, para não desunir ainda mais os portugueses numa etapa tão dramática como aquela que atravessamos. Creio que com esta decisão ganhou votos à esquerda para as próximas eleições presidenciais, mas não acredito que algum conselheiro lhe tenha segredado essa táctica. Sim, pois, já sei, que talvez tenha perdido alguns à direita, mas não devem ser muitos. Afinal, em quem poderiam votar os seus habituais apoiantes do centro-direita?

O que me chamou a atenção foi o argumento reticente que utilizou:

“Aliás, no mundo inteiro, só em sete países é designada por “casamento” a união entre pessoas do mesmo sexo. Dos 27 Estados da União Europeia são apenas quatro, aqueles que o fazem.”

Imediatamente a minha memória retrogradou até aos bancos da escola, e a voz do Marquês de Pombal feriu-me os tímpanos:

Vejo-me obrigado a declarar a abolição da escravatura por motivos económicos.
Não entra nem mais um escravo em Portugal e os que temos serão vendidos para o Brasil.

Em 1863 Ayres Gouveia propunha a abolição da pena de morte:

1º - Fica abolida a pena de morte.

2º - É extinto o hediondo ofício de carrasco.

3º - É riscada do orçamento do Estado a verba de 49$200 réis para o executor.

Ora acontece que nem um, nem outro, se desculpou por haver poucos países da Europa que se tivessem antecipado na tomada das mesmas decisões.
Nessa altura, mencionar tal facto, talvez fosse contraproducente, mas hoje, passados tantos anos, é com algum orgulho que recordamos o nosso pioneirismo.

Quem me diz a mim que daqui a cem anos Cavaco não é criticado por não se ter antecipado aos sete países que tiveram a ousadia de usar o termo “casamento” para a união de pessoas do mesmo sexo?

Distraído, já tinha descascado quase um quilo de batatas.

A.M.

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