Antes de Abril
votei apenas em Humberto Delgado, e não foi por nada não, foi só porque ele afirmou
que demitiria Salazar se ganhasse as eleições. Depois, votada que foi a nova
constituição, nunca enfiei na urna nenhum boletim com cruzinhas em qualquer dos
partidos, que, ardilosamente, alguém diz pertencerem ao arco do governo.
Os meus votos
foram sempre para os partidos cujos programas se tornaram absolutamente inviáveis
após a adesão à União Europeia, donde os países mais desenvolvidos nos acenavam
com a bandeira da convergência. Vemos hoje, que essa convergência tinha como
objetivo principal a uniformização duma política económica que nos obrigasse a
ficar a bordo de um barco conduzido por timoneiros pagos por esses países. Não há
botes salva-vidas e não se vê terra no horizonte.
O único dia de
paz e concórdia que aconteceu desde então foi o 1º de maio de 1974. Poder-se-ia pensar que após o 25 de Novembro, encontrado que foi um novo rumo, os
mesmos partidos que hoje pertencem ao tal arco do governo, alternando-se, com
maiorias ou sem maiorias, coligados ou não coligados com um partido charneira,
nos tivessem conduzido para águas calmas, ou mesmo para um porto seguro.
Ao invés, passaram a desancar-se uns aos outros para tomar o poder, apesar de
se lamentarem aos súbditos, que o serviço público a que se candidatam, exige um
enorme sacrifício da sua parte. Até seria se, logo a seguir à respetivas
tomadas de posse, não mostrassem das mais diversa e vergonhosas maneiras que privilegiam
o interesse pessoal em detrimento do interesse púbico.
Durante os primeiros anos da 3ª República justificaram as dificuldades com o
PREC e o Vasco Gonçalves. Quando começou a ser tão ridículo acusar estes como
acusar o Afonso Henriques dos males que nos afligem, começaram a desculpar-se
uns com os outros, mas iniciado o mandato logo se queixam de encontrar o país
pior do que julgavam, como se os seus deputados, enquanto oposição, não tivessem
o poder e a capacidade para saber o estado do país em qualquer momento.
Reza o Livro Fundamental: “Para além da função primordial de representação,
compete à Assembleia da República assegurar a aprovação das leis fundamentais
da República e a vigilância pelo cumprimento da Constituição, das leis e dos
atos do Governo e da Administração.”
Tudo serve para
se morderem e esgatanharem. Quando um partidário alheio comete uma falcatrua,
logo o filam seguramente e durante dias ou meses, conforme a importância do
crime, não largam a presa. E, alternando-se ciclo após ciclo há tantos anos,
ainda não tiveram o cuidado de fazer um registo oficial que esclarecesse os
súbditos de quem vai à frente do campeonato da pouca-vergonha.
Mas já existem tentativas para arranjar outros cordeiros que mesmo bebendo água
a jusante possam ser culpados desta infindável crise em que vivemos. Se aquilo
que uma famosa historiadora escreveu fizesse escola, então é que seria fácil cumprir
o conselho de entendimento que Cavaco vem dando aos do tal arco do governo. Diz
ela que os partidos à esquerda é que impedem que PSD e PS se entendam, o que me
leva a pensar que talvez exterminando-os, estes pudessem fazer um acordo tão
profundo que se transformassem num partido único. Nesse dia Cavaco ficaria tão
sossegado como os velhos PR’s de antanho, limitando-se à nobre missão de cortar
fitas.
E como prova de que a questão colocada pela historiadora faz sentido aí vem
hoje o líder da charneira avisar que dado o facto de o PS estar a guinar à
esquerda, a Coligação deve ter uma estratégia eleitoral mais centrada e
moderada.
Ou seja, afinal existe uma esquerda que não governa mas incomoda. É uma
esquerda moderadora que incomoda e assarapanta os partidos do atual governo e
ainda serve de encosto ao PS para tentar arrebanhar mais alguns votos.
Puff! Reparai
que é uma estratégia eleitoral, e não uma estratégia de governação!
Enganados que sejam os súbditos do reino, logo serão esquecidas as moderações,
o centralismo prometido virará direitismo e entraremos novamente na persistente
austeridade que, como de costume custará mais a uns do que a outros.