Há dois ou três dias, li uma reportagem sobre William Faulkner onde se afirmava comprovadamente que bastantes personagens de alguns dos seus romances tinham sido pessoas reais, isto é, pessoas que tinham existido numa determinada época. Mas o que mais me admirou foi o facto de este autor usar os verdadeiros nomes. Fiquei a saber que Candace e Bem Compson, figuras centrais de “O som e a fúria” tinham sido seres humanos verdadeiros.
O facto explica-se porque Faulkner se baseou no diário de um proprietário esclavagista cujo bisneto, seu amigo, lhe ofereceu. Como é evidente, para além da entidade das personagens, também alguns episódios são autênticos e apenas recebem os retoques correspondentes à índole e ao estilo do autor.
Embora autorizado pela família do velho esclavagista poderá considerar-se que o romancista cometeu plágio?
Na minha opinião acho que não.
Qualquer enredo, por mais mirabolante que possa ser, envolve sempre o conhecimento de algo. Muitas vezes são passagens curtas da vida, de conversas que se escutam, de livros que se leram, de histórias contadas à lareira no tempo dos nossos avós.
É em função dessas “sabedorias” que qualquer autor constrói um romance. Umas vezes inicia-o sem saber como vai acabar, outras vezes forja-o no pensamento durante muito tempo até ficar pronto e só depois o passa para o papel.
Aquilo que acontece com um enredo que se alonga ao longo de 300 folhas, acontece também no conto mais curto ou mesmo no comentário mais simples.
Uma das acusações que me costumam fazer é a de ser hipócrita e sarcástico por fazer críticas veladas, quer a factos quer a pessoas. Talvez seja, mas não tenho a intenção de ferir ninguém como se prova pelo facto de não citar nomes ou de adulterar os verdadeiros.
Transcrevo aqui um comentário que publiquei em Agosto de 2004 quando no falecido “Desabafe Connosco” se discutiam filosofias exotéricas e, como de costume não citei ninguém em concreto. Houve quem se ofendesse. Peço-lhes muitas desculpas.
Psicografando Gualdim Pais
Os fados já tinham sido. Fui num pé e vim no outro. No meio, uma pensão de três estrelas. Voltarei um dia…(a Coimbra), se ainda tiver tempo – disse eu.
Votos de boa viagem agradecem-se sempre, mesmo…depois.
Quem é que se lembra dos fogareiros a petróleo? Daquelas cabeças com espalhador e o bico sempre entupido? Aquela azáfama constante de desentupir o bico, porque a chama amarelada, deixava as panelas esmaltadas em mísero estado?
Quem se recorda disso? Talvez o amigo Braga da Cruz, quiçá o Amaral, H.T. ou o Pedro d’Ajuda, creio eu.
Acontece que dois ou três dias depois de ter regressado, esparramando uniformemente uma linda chama azul pelo meu espalhador, logo o bico se entupiu. Com a agulha procuro limpar qualquer sujidade, mas a cada tentativa a chama se convulsiona e amareleja. Sujidades do petróleo, concluo eu.
Tendo perdido o controlo do jacto, decidi que o melhor era deixá-lo fluir ao sabor das impurezas que o alimentam. Seja o que Deus quiser!
Resolvi falar com o Gualdim Pais.
Porquê? O Gualdim sempre fez parte do meu imaginário, pois o Castelo do Almourol fazia parte da paisagem em frente da janela do meu quarto de criança.
Sabendo agora que podemos falar com os espíritos dos nossos antepassados, resolvi experimentar as minhas capacidades de médium e procurar esclarecer algumas dúvidas, quanto mais não seja para alijar o meu alforge de pendentes.
Por sorte, atendeu-me logo à primeira tentativa, e passo a psicografar as respostas às perguntas formuladas.
- É o Sr. Gualdim Pais em pessoa?
- Em pessoa não, em espírito. Informo que teve uma sorte danada em encontrar-me, pois só há dois dias me libertei duma missão no Iraque. Tenho já variadíssimas ofertas para ocupar outro corpo, mas ainda não me decidi.
- Sabendo que os espíritos só se lembram das suas experiências de vida (digamos assim) quando se libertam do corpo que ocupam, poderá ajudar-me a clarificar algumas dúvidas?
- Pode disparar, “à volonté”.
- Fala francês?
- Mas que raio de jornalista é você que não sabe que os Templários são pessoas viajadas?
- Desculpe, é o nervoso pela minha primeira entrevista nestas circunstâncias.
Mestre Gualdim, sabemos que reconstruiu o Castelo do Almourol em mil, cento e tal, mas poderá informar-nos de quem o construiu.
- Precisamente em 1171, então não está lá escrito? Agora quem o construiu ainda não sei. Reina por aqui uma grande confusão e ainda não tenho dados concretos. À época eu habitava o corpo de um chefe aborígene, e com as dificuldades de comunicação ninguém sabia o que se passava em Portugal. Olhe cá, com os meios que hoje existem quem é que sabe onde é Portugal?
- Pois tem, mais uma vez, razão. Diga-me agora:
Porque motivo, o mestre rejeitou o nome de Nabância e deu ao local o nome de Tarmaná?
- Isso é mentira! O que eu fiz foi outra fortaleza do outro lado do Nabão a que dei o nome de Tarmaná. Queria o quê? Que lhe chamasse Nabância II, como o Rococop 1, 2 e 3?
- Sabe que Tarmaná deu em Tomar, não sabe?
- E que culpa tenho eu disso?
- O que lhe queria perguntar era se, com um conhecimento que abrange séculos e num posto de observação tão privilegiado como o seu, considera que a animosidade existente entre cristãos e islamistas quando o Emir de Marrocos arrasou a cidade tem algo a ver com a animosidade que ainda hoje os divide.
- Bolas, até que enfim, me faz uma pergunta inteligente. Tenho um tratado prontinho sobre esse assunto. Estou aguardando que seja concebido um cronista. Logo que o ocupe, tratarei que seja dado à estampa.
- Agora não estou a entender, mestre. Quando ocupais um novo corpo não esqueceis todas as vossas experiências anteriores? É o que se diz por aqui.
- É o esqueces! Ouve cá, não sentes de vez em quando que estás a viver um momento pelo qual já passaste? Somos nós a tocar a campainha.
- Sim…realmente. Não será uma coincidência?
Bem, a ligação está a falhar, porque o meu neto acendeu repentinamente a luz. Voltarei a tentar a ligação. Tanta pergunta que fica por fazer…
- Fico aguardando. Câmbio.