domingo, 29 de julho de 2012

O sétimo inferno

Com a chegada dos Jogos Olímpicos e da respetiva cobertura televisiva, esta governação vai sentir-se menos pressionada e já meteu uma cunha para, terminados estes, conseguir que alguém patrocine o regresso dos Jogos Sem Fronteiras, de preferência com a locução de Eládio Clímaco. As donas de casa e os desempregados já têm com que se distrair até à hora do almoço com a “Querida Júlia”, o “Verão Total” e o “Você na TVI”, programas que energicamente concorrem entre si ao prémio de “Melhor Serviço Público”. A chegada das férias também contribui para arrefecer o ânimo dos mais injustiçados pela crise económica. Por um lado as caras visíveis da sua aflição aparecem fugazmente nas pantalhas e, como diz o povo, quem não aparece, esquece; por outro, já tinham intuído há algum tempo, que as férias deste e dos próximos anos vão ser passadas em casa, com uma sardinhada ou um churrasco de costeletas do cachaço ao fim de semana. O nosso PM incentivou todos os seus colegas a passar as férias em Portugal, do género “ vá para fora cá dentro”, o que apesar de colocar algumas restrições aos planos da maioria deles, ainda lhes permite abandonar o seu poiso caseiro para irem até à Arrifana, Monte Gordo ou mesmo Porto Santo. O número de portugueses que há muitos anos passa o período de férias como se ele não existisse, ou de que ele só dá conta quando a gente importante da terra desaparece durante o mês de julho ou agosto, vai aumentando. Há quem diga que a única maneira de nos esquecermos das férias é acabar com elas, já que o respetivo subsídio foi à viola só com bilhete de ida. Quem se esteve marimbando para a solicitação do nosso PM foram, por exemplo, o Sporting, o Porto e o Benfica. Como se não existissem lugares aprazíveis, com ginásios, campos desportivos e demais mordomias no país em que ganham a sua vida, vão ajudar a economia de países em muito melhor situação do que nós. Ah! Fosse eu o CR7 e não gastaria um milhão no Seven de Vila Moura. Compraria um bilhete na próxima viagem à Lua… só ida.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

D. Odete

Já comecei a treinar. Quero estar devidamente preparado em janeiro quando entrar em vigor a lei que vai obrigar à emissão de faturas por todos os artigos comprados. Sou um legalista e não vou dececionar os meus superiores, que com tanto empenho e inteligência se esforçam para nos conduzir ao estado de divergência com os demais países desta desunião europeia.

Assim, logo de manhã fui ao café do Jorge. Bebi a minha bica e comprei o meu jornal.

- Jorge, passa para cá uma fatura, do café e do jornal, tá?

- Já contratei duas “fatureiras”, mas só começam a trabalhar para a semana. Como vê, só tenho dois braços e está o café cheio à espera de ser servido.

- Ok, estou só a treinar. Faço a minha obrigação.

Como hoje estão 101 milhões de euros à minha espera, pensei que era melhor ir ao seu encontro e passei pela tabacaria da esquina para entregar o meu palpite com os números que sonhei esta noite.

A menina Amélia fez o registo e devolveu o boletim com a respetiva fatura.

Aqui não é preciso pedi-la – pensei.

Mas será que serve para deduzir no IRS? – interroguei-me.

Já ia a caminho de casa quando me lembrei que a minha mulher me tinha pedido para comprar fruta e voltei para trás. Normalmente compro-a, (entre outras coisas), nas grandes superfícies, mas resolvi ir ao mercado que fica muito mais perto.

Peguei nos sacos de plástico que estão ali sempre à mão e escolhi meia dúzia de pêssegos amarelos, outra meia dúzia daqueles de roer, três nectarinas e três nabos. Pedi a D. Odete – sempre simpática – que me pesasse 250 gramas de azeitonas.

À medida que ia pesando a fruta ia apontando com um lápis de bico rombo os diversos preços num pequeno papelinho rasgado de uma folha de papel pardo. Somou depois as parcelas.

- São 4 euros e 35 cêntimos – informou.

Dei-lhe uma nota de 5 e enquanto fazia o troco, atirei maldosamente:

- Então, D. Odete, já sabe das faturas?

- Nem me fale disso! Eu nem tenho máquina!

    

quarta-feira, 4 de julho de 2012

A balada da minha praia


 E uma infinita tristeza,
Uma funda turbação
Entra em mim, fica em mim presa.
... Cai neve na Natureza
E cai no meu coração.
Augusto Gil


Há-de chegar uma altura em que as pessoas sérias e honestas, se ainda as houver, terão que fugir a sete pés dos beleguins do governo. Têm ordem para nos prender e atirar a matar, se tentarmos escapar.
-Eh pá, quem te manda a ti, pregar regras de bom comportamento cívico? Não sabes que as teorias que defendes são subversivas? Estás preso e não vais apanhar menos do que 15 anos num campo de reeducação para aprenderes as novas regras de comportamento - diz-nos o chefe do bando captor.

Dizem que depois do dilúvio a terra será consumida pelo fogo. Cá para mim ela vai ser consumida pela corrupção conluiada com a sem-vergonhice, apoiadas pela falta de caráter e pelo egoísmo, que de freio nos dentes não para de se desenvolver ameaçando ocupar o diar da fraternidade universal celebrado a 1 janeiro de cada ano.
Os valores que no princípio do século 20 conduziam ao suicídio pela honra perdida, à vergonha de andar na rua, ao acabrunhamento e ao retiro da vida social, perderam-se vertiginosamente engolidas pelas sargetas num dia de forte chuvada.
Os escândalos aparecem em catadupa nos meios de comunicação. São os autarcas que continuam a gerir as suas câmaras mesmo depois de condenados, ou então são repescados para qualquer outro lugar economicamente compatível. Gestores públicos igualmente condenados ou oficialmente incriminados por gestão danosa, burla, aproveitamento ilícito, continuam a andar pelo mesmo passeio em que desprevenidamente passam os cidadãos sérios e íntegros.
São as fugas de informação que deviam ser salvaguardadas e aparecem na rua sem que alguma vez se saiba quem foram os faltosos, como acontece na justiça com os processos sob julgamento e nas escolas públicas com os exames.
Quando se poderia pensar que depois de 1974 os “canudos” só poderiam vir a ser adquiridos com muita aplicação e bons resultados, e não comprados por papás endinheirados, eis que assistimos a compadrios que permitem passar diplomas sem frequência nas matérias, ou obtidos de um ano para o outro em qualquer universidade (quase sempre privada).
Os cargos superiores de qualquer multinacional instalada em Portugal são preenchidos pelos candidatos com melhores médias nos seus cursos.
No Estado, os lugares são preenchidos pelo compadrio de uma falsa elite, que necessita de um Dr. ou de um Engº. antecedendo o seu nome próprio.
E assim, “step by step”, afundamo-nos, trágica e definitivamente!
A.M.