domingo, 19 de fevereiro de 2012

O DÉFICE DO NASCIMENTO

Ao promover os “Roteiros do Futuro” o nosso PR mostrou a sua preocupação com a baixa natalidade dos portugueses que ao longo dos anos tem vindo a decrescer tanto, que já aventam várias hipóteses, entre as quais avulta a da falta de feminilidade por um lado e o da masculinidade por outro.
Se quando eu nasci a taxa da mesma era de 28% e em 2006 era de apenas 10%, várias concl...usões se podem tirar, mas não sei se os participantes nesta conferência entraram em linha de conta com o facto de antigamente se fazerem filhos para a mão-de-obra familiar (de um modo geral no campo) e hoje, o filho único de muitos casais vive do fundo do desemprego, ou ainda é mais uma boca a comer em casa dos pais.
Os portugueses, sempre atentos ao que se passa em Portugal, ficaram emocionadíssimos com esta constatação e reagiram de imediato - a maioria dos casais, nessa noite, foi para acama mais cedo.
Consta, também, que se esgotaram os comprimidos azuis nas farmácias e a Playboy nos quiosques de todo o país.
Este povo ama Portugal!
Descanse senhor Presidente. Aponte ou mande apontar a data desta importante conferência e daqui a nove meses veja o registo de nascimentos.
Não vai haver maternidades que cheguem!

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Convergência

1ª Notícia - “Há uma cidade alemã a três horas de avião de Lisboa que precisa desesperadamente de trabalhadores qualificados. Numa iniciativa inédita, está a convidar portugueses a candidatarem-se aos mais de 2700 empregos que há disponíveis. Chama-se Schwabish Hall, tem 37 mil habitantes e fica a duas horas de carro de Estugarda. Para lidar com esta falta de trabalhadores qualificados, o presidente da câmara da cidade, decidiu promover uma iniciativa inédita: convidar jornalistas de países europeus com elevado desemprego (Portugal, Espanha, Itália e Grécia) para conhecerem as oportunidades de trabalho e para as divulgarem nos seus países. O Diário Económico foi o jornal português escolhido para trazer a boa nova de empregos para Portugal.

2ª Notícia - Portugal gasta cerca de 46 mil euros com a educação de um aluno dos seis aos 15 anos de idade, segundo um relatório da OCDE divulgado, esta quinta-feira, com dados do PISA de 2009, programa internacional de avaliação de alunos. O País gasta 46 mil euros por aluno dos 6 aos 15 anos.

Para os trabalhadores qualificados no desemprego e para quem procura o primeiro emprego a 1ª notícia é muito boa e pode representar a única salvação.

Para o país é a morte anunciada.

Gastar tanto dinheiro com a formação da nossa juventude e depois “oferecê-la de mão beijada” aos países industrializados para que colaborem na produção de bens de consumo, que depois acabamos por importar só conduzirá ao atrofiamento económico do país ao desnível da nossa balança comercial e ao crescimento do maldito défice.

Importar bens de consumo e exportar mão-de-obra qualificada é um autêntico disparate, que só um cego não enxerga!

E ainda há responsáveis que recomendam aos jovens desempregados para emigrarem.

Uma nota engraçada, que não posso deixar de fazer, é a esperteza de convidar jornalistas dos países indecentemente explorados, para divulgarem o seu interesse em contratar alguns dos seus desempregados. São agentes de emprego que lhe saem muito em conta!

O país está bem entregue!

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Toca a marchar!

Confortavelmente sentado na poltrona da sua salinha de estar, Polidoro, ouvia atentamente o noticiário das 20 horas. Tinha que entregar no jornal a crónica para o dia seguinte e ainda não lhe surgira assunto relevante que merecesse ser comentado. Já se tinha posto em pé, várias vezes, percorria o corredor de uma ponta a outra, entrava na cozinha, abria o frigo, metia mais uma pedra de gelo no copo e fitava preocupado o gargalo da garrafa empinada onde as últimas gotas do precioso líquido dourado se escoava amarguradamente.
Voltou para a sala e voltou a acomodar-se frente ao televisor.
- Parece que chegou o dia de usar o meu último trunfo - pensou ele em voz alta.
Tem-no ciosamente guardado para o dia em que não encontre pessoa ou coisa para criticar.
Nesse dia dirá mal de si mesmo. Até já engendrou a estrutura.
- Alto lá! Eureka!
Tinha aparecido no ecrã um dirigente duma associação de militares queixando-se da falta de sensibilidade e desconsideração de que os militares têm vindo a ser alvo, nos últimos anos.
- Olha, olha! Cá está, como não me lembrei disto há mais tempo?
Agarra imediatamente no bloco de papel quadriculado e na lapiseira que lhe foi oferecida quando era secretário de estado da cultura por um grupo de teatro como reconhecimento pelo trabalho desenvolvido em prol desta forma de arte, e desata a escrever furiosamente, como só ele sabe. É um autêntico bulldozer!
As Forças Armadas devem ser “uma força essencialmente obediente como em toda a parte o Estado a obrigou a ser”.
Não faz nenhum sentido mandar “missões de paz” para a Bósnia, Kosovo e Afeganistão. (Porquê as aspas?)
As associações de militares são corporativistas.
Os militares devem ficar dentro dos quartéis.
Os militares não devem reivindicar dado que o passo seguinte é a política.
Os militares devem ser apolíticos. Votam no sacristão da paróquia.
As Forças Armadas só devem ter privilégios em tempo de guerra.
Próteses e funerais participados a 50%.
As associações são verdadeiros sindicatos.
Só lhes falta fazer greves, pois já houve quartéis ocupados por revoltosos, o desprezo pela cadeia hierárquica é frequente, a desobediência às ordens fazem parte do dia a dia e, da assiduidade e da pontualidade nem se fala.
Os militares devem estar mudos e quedos.
Mesmo que lhes seja aconselhado procurarem outra profissão.
Escreveu e mandou para o jornal. A empregada foi entregar em mão, pois tem horror aos pc’s, às net´s e aos emails. Prefere as enciclopédias.
No fim de semana que vem vai a Constância visitar o Camões. Vai meter-lhe uma cunha para que lhe ceda alguma da sua verve.
A.M.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

poeta que admiro e o homem que detesto

lamento para a língua portuguesa

não és mais do que as outras, mas és nossa,
e crescemos em ti. nem se imagina
que alguma vez uma outra língua possa
pôr-te incolor, ou inodora, insossa,
ser remédio brutal, mera aspirina,
ou tirar-nos de vez de alguma fossa,
ou dar-nos vida nova e repentina.
mas é o teu país que te destroça,
o teu próprio país quer-te esquecer
e a sua condição te contamina
e no seu dia-a-dia te assassina.
mostras por ti o que lhe vais fazer:
vai-se por cá mingando e desistindo,
e desde ti nos deitas a perder
e fazes com que fuja o teu poder
enquanto o mundo vai de nós fugindo:
ruiu a casa que és do nosso ser
e este anda por isso desavindo
connosco, no sentir e no entender,
mas sem que a desavença nos importe
nós já falamos nem sequer fingindo
que só ruínas vamos repetindo.
talvez seja o processo ou o desnorte
que mostra como é realidade
a relação da língua com a morte,
o nó que faz com ela e que entrecorte
a corrente da vida na cidade.
mais valia que fossem de outra sorte
em cada um a força da vontade
e tão filosofais melancolias
nessa escusada busca da verdade,
e que a ti nos prendesse melhor grade.
bem que ao longo do tempo ensurdecias,
nublando-se entre nós os teus cristais,
e entre gentes remotas descobrias
o que não eram notas tropicais
mas coisas tuas que não tinhas mais,
perdidas no enredar das nossas vias
por desvairados, lúgubres sinais,
mísera sorte, estranha condição,
mas cá e lá do que eras tu te esvais,
por ser combate de armas desiguais.
matam-te a casa, a escola, a profissão,
a técnica, a ciência, a propaganda,
o discurso político, a paixão
de estranhas novidades, a ciranda
de violência alvar que não abranda
entre rádios, jornais, televisão.
e toda a gente o diz, mesmo essa que anda
por tal degradação tão mais feliz
que o repete por luxo e não comanda,
com o bafo de hienas dos covis,
mais que uma vela vã nos ventos panda
cheia do podre cheiro a que tresanda.
foste memória, música e matriz
de um áspero combate: apreender
e dominar o mundo e as mais subtis
equações em que é igual a xis
qualquer das dimensões do conhecer,
dizer de amor e morte, e a quem quis
e soube utilizar-te, do viver,
do mais simples viver quotidiano,
de ilusões e silêncios, desengano,
sombras e luz, risadas e prazer
e dor e sofrimento, e de ano a ano,
passarem aves, ceifas, estações,
o trabalho, o sossego, o tempo insano
do sobressalto a vir a todo o pano,
e bonanças também e tais razões
que no mundo costumam suceder
e deslumbram na só variedade
de seu modo, lugar e qualidade,
e coisas certas, inexactidões,
venturas, infortúnios, cativeiros,
e paisagens e luas e monções,
e os caminhos da terra a percorrer,
e arados, atrelagens e veleiros,
pedacinhos de conchas, verde jade,
doces luminescências e luzeiros,
que podias dizer e desdizer
no teu corpo de tempo e liberdade.
agora que és refugo e cicatriz
esperança nenhuma hás-de manter:
o teu próprio domínio foi proscrito,
laje de lousa gasta em que algum giz
se esborratou informe em borrões vis.
de assim acontecer, ficou-te o mito
de haver milhões que te uivam triunfantes
na raiva e na oração, no amor, no grito
de desespero, mas foi noutro atrito
que tu partiste até as próprias jantes
nos estradões da história: estava escrito
que iam desconjuntar-te os teus falantes
na terra em que nasceste, eu acredito
que te fizeram avaria grossa.
não rodarás nas rotas como dantes,
quer murmures, escrevas, fales, cantes,
mas apesar de tudo ainda és nossa,
e crescemos em ti. nem imaginas
que alguma vez uma outra língua possa
pôr-te incolor, ou inodora, insossa,
ser remédio brutal, vãs aspirinas,
ou tirar-nos de vez de alguma fossa,
ou dar-nos vidas novas repentinas.
enredada em vilezas, ódios, troça,
no teu próprio país te contaminas
e é dele essa miséria que te roça.
mas com o que te resta me iluminas.

Vasco Graça Moura, in "Antologia dos Sessenta Anos"

Só gostava de saber o que leva um ser humano, sensível como qualquer poeta, a fazer uma cruzada medieval contra o acordo ortográfico. No texto que reproduzo só três palavras seriam modificadas para corresponder ao referido acordo: dia a dia; hás de; inexatidões.
Não me parece suficiente para tamanha indignação, que estou em crer não teria paralelo com a indignação de Camões se, acordando hoje, visse como tinha evoluído a nossa língua.
De resto, pode Graça Moura boicotar todas as modificações que uma língua viva exige para sobreviver (olha o latinório), que depois de morto, os seus versos e ensaios serão reescritos, sem se desvalorizarem, com a ortografia que outros acordos, como no passado, com mais ou menos dificuldades foram estabelecidos.
Por último, ainda gostaria de saber o que acontecerá a um funcionário do CCB que conhecedor do acordo e de forma automática emita um qualquer documento segundo as novas regras.
Será que vai mandar instalar um programa informático que reponha as formas antigas?
O funcionário será despedido por desobediência?
Será que o político abafou o poeta?
A.M.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Um bom exemplo de governação



No dia 24 coloquei aqui este “boneco” em que Vasco informa Mega de que o acordo ortográfico não vai ser aplicado nos documentos do CCB.

Hoje, dia 3 de Fevereiro, fico a saber, que Vasco deu ordem para o acordo ortográfico não ser aplicado no CCB e mandou retirar os programas informáticos, que permitiam fazer a respectiva correcção, mandados instalar por Mega.

Como nunca nos cruzámos em lado nenhum e não possuía nenhuma informação privilegiada, seria lógico que eu admitisse possuir poderes de cartomante, qual professor Karamba. Se não o admiti foi porque a atitude que agora tomou era previsibilíssima a partir do momento em que foi nomeado para aquele lugar. Agora, sabendo também, que alguns deputados do PSD, que integram o grupo Acordo Ortográfico repudiado e em crise, já pressionam o executivo para que não se coíba de o suspender, sou levado a suspeitar que esta marosca foi miseravelmente planeada.

Começo a sentir vergonha de ser português.

Depois do ministro que se transporta de moto para o seu trabalho, do “desengravatamento” dos funcionários de outro ministério para poupar na electricidade (será que no inverno podem ocupar os seus lugares de cachecol e sobretudo?), sai agora a suspensão do acordo ortográfico. Vai dar uma enorme contribuição para redução do nosso défice.

Vou enviar um e-mail para a Academia Brasileira de Letras a informá-los que podem voltar a colocar um “chapeuzinho” em voo e enjoo.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Voltam as ameaças!

Quando o Pedro nasceu já eu cumpria o serviço militar. Quando me enviaram para o Ultramar ainda ele fazia xixi na cama.
Quando os sargentos em 1968 intentaram um movimento reivindicativo por melhores salários, entrava ele no liceu, possivelmente ainda de calções.
Quando se deu o 25 de Abril tinha 17 anos, já se julgava um homem, despontava-lhe a barba e começava a deitar o olho às moçoilas.
Quando terminou o curso de direito, já brincava aos políticos na JSD.
Depois… logo a seguir, montou um consultório de advogados onde militam hoje mais de 30 colaboradores entre sócios, colaboradores, estagiários e administrativos que a preços módicos se encarregam de resolver problemas em todas as áreas do direito, como por exemplo, o civil, o fiscal, o comercial, o penal, o desportivo e até o do trabalho.
Entretanto, não descurou a sua carreira política e à força de uma inteligência fora do vulgar, muita abnegação e amor à pátria, chegou um dia a ministro da justiça do XVI governo constitucional.
Agora é ministro da defesa do XIX.
E é nessa qualidade que imitando, o chefe do governo que sugeriu (?) aos jovens para emigrar diz aos militares para mudarem de profissão se não sentem vocação, dado que, segundo a sua própria opinião, a vocação proíbe o protesto.
O “não está bem, mude-se” é uma expressão imperativa que um chefe nunca deve dirigir a um subordinado, dado que o sentimento de injustiça desse subordinado pode ser extensivo à maioria deles e, nesse caso, seria mais fácil o Pedro dedicar-se exclusivamente ao seu consultório de advogados.
Mutatis mutandis, como diria o saudoso Professor Frescata!

Nota: Foto do Professor Frescata