domingo, 23 de maio de 2010

"Eles andem aí"

Que em 19 de Maio de 1910, milhões de pessoas tenham vindo para a rua à espera do fim do mundo, depois de terem devorado toda a comida que tinham em casa, não me parece um acto tão ridículo como o acreditar-se agora numa profecia idêntica para 2012.

O colapso previsto para aquela data baseava-se na passagem do cometa Halley perto da Terra e a especulação feita mostrando desenhos em que a sua enorme cauda varria o nosso planeta do mapa celeste alimentou facilmente muitos espíritos temerosos e pouco esclarecidos.
Nem todos, claro. Houve quem enriquecesse a vender máscaras de gás e garrafas de oxigénio e estes oportunistas certamente não acreditavam que o mundo fosse acabar. Para que lhes serviriam os proventos?

Desta vez nem sequer se trata de um fenómeno cientificamente previsível, nem cometas nem meteoritos a interceptarem o nosso percurso cósmico.
Parece que tudo resulta de uma profecia Maia baseada no seu calendário, que não faz o mínimo sentido e até já foi explicado que a data de 2012 se refere ao fim do próprio calendário.
Caramba, então eles previram o fim do mundo e não previram o seu próprio fim?

Nesta altura entra em cena a grande conspiração.
Os Maias afinal não fazem parte de uma civilização extinta.
“Eles andem aí” sobrevoando as nossas cidades e aldeias, vigiando os nossos passos e, diz-se, tomando conta da mente dos governantes mais poderosos do mundo.
Estamos fritos!
Eu, particularmente, sinto um grande embaraçamento (!) com a situação pois não sei como é que vamos conseguir pagar a nossa choruda dívida externa.
Dizem que o Sócrates anda todo contente com esta hipótese caída dos céus.
A.M.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Solidão - Retrato

O despovoamento é ibérico e o sentimento de solidão é o mesmo nos dois lados da fronteira.
Tenho um amigo que um dia resolveu fazer todo o percurso peregrino entre Roncesvalles e Santiago de Compostela. Passou por uma aldeia quase deserta onde julgava morar uma pessoa que conhecera alguns anos antes durante uma viagem pelo norte do país.
Viu um ancião sentado na soleira de uma porta e dirigiu-se-lhe:
- Buenos dias. Conoce usted a Javier Pineda?
- No. Lo siento no ser Paco González porqué ese señor vive mismo a mi lado.
A.M.
Nota: imagem de Dionísio Leitão

Instantâneo na feira

Enquanto o marido se afobava ao balcão da rulote aviando copos e coiratos assados aos visitantes que passavam, a mulher, sentada num degrau da mesma, segurava no colo um capão de cores garridas.
- Que lindo galo – elogia um cliente – que lhe vão fazer?
- Vamos comê-lo! – responde ela.
- Comê-lo?
- Não! Primeiro vamos cozinhá-lo.

terça-feira, 18 de maio de 2010

O puré de batata

Não estou com disposição para voltar ao tema dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Já sei quem é a favor e quem é contra, conheço as razões em que se apoiam uns e outros e, ao fim e ao cabo, como já foi tomada uma decisão, o assunto esmoreceu.

Ouvi-a ontem, logo a seguir ao telejornal, enquanto descascava batatas para fazer um puré que acompanhasse umas fatias de carne assada.
Era o nosso Presidente em pessoa desculpando-se por ter que promulgar a malfadada lei, para não desunir ainda mais os portugueses numa etapa tão dramática como aquela que atravessamos. Creio que com esta decisão ganhou votos à esquerda para as próximas eleições presidenciais, mas não acredito que algum conselheiro lhe tenha segredado essa táctica. Sim, pois, já sei, que talvez tenha perdido alguns à direita, mas não devem ser muitos. Afinal, em quem poderiam votar os seus habituais apoiantes do centro-direita?

O que me chamou a atenção foi o argumento reticente que utilizou:

“Aliás, no mundo inteiro, só em sete países é designada por “casamento” a união entre pessoas do mesmo sexo. Dos 27 Estados da União Europeia são apenas quatro, aqueles que o fazem.”

Imediatamente a minha memória retrogradou até aos bancos da escola, e a voz do Marquês de Pombal feriu-me os tímpanos:

Vejo-me obrigado a declarar a abolição da escravatura por motivos económicos.
Não entra nem mais um escravo em Portugal e os que temos serão vendidos para o Brasil.

Em 1863 Ayres Gouveia propunha a abolição da pena de morte:

1º - Fica abolida a pena de morte.

2º - É extinto o hediondo ofício de carrasco.

3º - É riscada do orçamento do Estado a verba de 49$200 réis para o executor.

Ora acontece que nem um, nem outro, se desculpou por haver poucos países da Europa que se tivessem antecipado na tomada das mesmas decisões.
Nessa altura, mencionar tal facto, talvez fosse contraproducente, mas hoje, passados tantos anos, é com algum orgulho que recordamos o nosso pioneirismo.

Quem me diz a mim que daqui a cem anos Cavaco não é criticado por não se ter antecipado aos sete países que tiveram a ousadia de usar o termo “casamento” para a união de pessoas do mesmo sexo?

Distraído, já tinha descascado quase um quilo de batatas.

A.M.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

O respeito é uma coisa muito bonita!

Há algum tempo que venho recebendo “convites” de amigos para aderir ao Facebook.
Até agora tenho resistido, porque possuindo dois meios para estabelecer os contactos iria adicionar mais um à mesma máquina e aumentar o trabalho que tenho para gerir e organizar o sistema de comunicações.
Claro que sinto sempre um amargo de boca quando me fico nas covas perante as novas tecnologias; é como se estivesse a passar um certificado deste tipo:
“Eu, abaixo-assinado, declaro que devido ao peso da idade, já não me sinto mentalmente capacitado para aderir a qualquer novo sistema que obrigue a um esforço de aprendizagem do mesmo.”
Porque se este sentimento não é verdadeiro, para lá caminha.
E a gente a adiar, adiar, adiar…
Depois, lembrei-me do velhote da minha terra que quando a electricidade lá chegou não a aceitou e quando a água foi canalizada também não quis fazer a respectiva instalação.
Alumiava-se com candeeiros a petróleo e a empregada ia encher o cântaro à fonte.
Começo então a perceber, dada a minha relutância em aderir ao Facebook, que o conservadorismo daquele meu conterrâneo, das duas, uma, ou não era tão profundo como eu pensava ou então estou a a seguir-lhe as pisadas.
Vai daí, ontem, acabei por dar o passo.
Ainda não vi bem a maior parte das funcionalidades deste novo brinquedo, mas já fui contactado por dois camaradas felicitando-me e agradecendo-me por os considerar seus amigos. Então não sabiam? Tinham dúvidas?
O pior é que hoje de manhã, com a bica a fumegar, e lançando um olhar guloso sobre uma coluna do jornal deparo com esta notícia:

“Preocupados com questões de privacidade, um grupo de utilizadores juntou-se para fazer com que o próximo 6 de Junho seja um dia anti-Facebook. O protesto consiste em não usar a rede social. As regras adoptadas pelo Facebook em Dezembro fazem com que mais informação seja pública e mereceram ainda esta quarta-feira a reprovação de um grupo de aconselhamento da comissão Europeia, que as considerou inaceitáveis.”
Pensando bem, talvez o Facebook seja mais prejudicial para quem tem por costume esconder as suas “sem-vergonhices” atrás do anonimato.
Digo eu, que não percebo nada disto!
A.M.