sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Aprender sem complexos

Repito o que sempre disse: estamos sempre a aprender, em qualquer lado e em qualquer momento; em Ranholas ou em Paris, com o analfabeto ou com o letrado.

O que hoje me dificulta a aprendizagem não é a vontade, mas o índice de mortalidade de umas pequenas células que teimam em não se renovar. Enquanto me sobrarem algumas, não deixarei de tomar posições consentâneas com este modo de estar na vida, evitando apelidar maldosamente de intelectual qualquer pessoa que para se expressar use palavras que não conheço, disserte sobre temas qestudando para cavaloue não domino e até mesmo compreendendo aqueles que usam moderadamente citações célebres para engalanar a prosa.

Foi por pensar assim, que reagindo automaticamente à indicação de um sítio onde havia um armazém de citações em latim logo me pus a caminho. Verificando que ali havia muito material, que para além de me poder ser útil para realçar uma ideia, me ajudaria a compreender as ideias dos outros, fiquei naturalmente reconhecido pela sugestão.

Logo à partida, numa visita muito breve, encontrei explicação para o termo fulambó usado no filme Pátio das Cantigas (creio eu) quando de arco e balão os marchantes cantam:

Toca o fungágá
Toca o solidó
Nesta marcha p’ra dançar o Fulambó.

Marche aux flambeaux – marcha das tochas, parece explicar o galicismo.
Como não fiquei por aqui, numa outra página do mesmo sítio encontrei “vozes de animais e barulhos ou ruídos de coisas”. Claro que o sítio é brasileiro, e no que respeita à fauna os ruídos são extensíssimos, podendo desprezar as vozes do caburé, da capivara ou do guará, ficamos a saber, contudo, que a mosca para além de zoar ou zumbir, também zonzoneia, sussura e azoina.

Maravilha!

Que o burro zurra ou relincha? Toda a gente sabe. Mas que também orneia, zorna e rebusna é que poucos saberão!

Outra coisa que aprendi hoje, num outro local, foi a importância do multiculturismo no etnocentrismo Europeu, ou seja, o extraordinário impulso que pode ser dado ao entendimento entre as diversas etnias através do desenvolvimento não só dos bíceps, mas também dos gémeos, dos peitorais, do externocleidomastóideo e mesmo do grande glúteo.

Obrigado por informação tão preciosa, para quem gosta de aprender e usar o que aprende sem receio que lhe chamem nomes.

A.M.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Fuga para trás

Viagem em Fevereiro de 2006, programada e realizada apesar de raios e coriscos

Quando se programa alguma coisa que inclua mais de 2 pessoas só resta uma hipótese ao organizador: marcar o dia e a hora; quem quer vai, quem não quer fica em casa.
Se o desgraçado do organizador começa a querer conciliar os interesses e disponibilidades de cada um, o evento realiza-se é nunca!

Por essa razão, marcada que foi, não se volta atrás, quer faça sol, quer faça chuva.
Desta feita fez alguma, mas houve boas abertas.

O acontecimento poderia intitular-se “Viagem às origens” e denominar-se como nas coisas feitas em série de I, II e III, dado que se vem repetindo periodicamente sem data marcada mas correspondendo sempre a um impulso, tal e qual como o apito do telemóvel quando a bateria está fraca: carreguem-me, suplica ela!

E, lá vamos… não cantando e rindo mas rindo e cantando do tempo em que cantávamos e ríamos por obrigação devidamente oficializada nos matinais sábados de todas as semanas excepto nas férias. Muito perfilados, muito alinhadinhos!

Por dois dias a gente conta as pedras da calçada para ver se não falta nenhuma, procura os sítios onde se deram os grandes acontecimentos: olha, aqui foi a primeira vez que fui preso por andar a jogar à bola; ali naquela esquina foi onde malhei com os ossos no chão; a cheia de 1945 chegou àquele degrau – lembras-te? Eh, pá e que é feito daquele tipo que casou com a trapezista quando o circo Mariano esteve montado ali no largo?
Já morreu? E ela também? Porra que estamos velhos! E daquela zaragata no baile da M. quando tu comentaste em volta alta: “o baile não está mau, mas a tourada em Vila Franca estava melhor? Que grande arraial!

Dois dias depois a gente chega com os acumuladores na sua capacidade máxima e procura fazer um balanço.
Para além da sentimental recauchutagem, motivo primeiro da viagem às origens e de inegável êxito, quero deixar duas notas:
A primeira é negativa. Visitando a casa onde viveu Camões, em Constância, deparei com uma escultura colocada no Jardim-horto. Ao vê-la não consegui deixar de pensar no meu tempo de estudante, e nas diligências feitas pa
ra encontrar o canto nono em qualquer lado, já que o mesmo tinha sido amputado de “Os Lusíadas” escolares.
Poder-se-ia pensar, ao ver aquela peça de estatuária representando um casal na missionante posição da respectiva arte hindu, de que aliás Camões devia conhecer profundamente todos os segredos, que a velha, bolorenta e hipócrita moral dos costumes, tinha sido enterrada para todo o sempre.
Assim seria se…
Se a aquela bela peça não estivesse tapada com uma serapilheira, procurando esconder o mais usual acto de amor do mundo, como se um diácono censório alarmado com semelhante e impúdica posição providenciasse à sua ocultação.

O mais ridículo, é que uma coisa que poderia ser olhada apenas como uma obra de arte, erótica sem dúvida, passou a ser espreitada como peça pornográfica, dado que, mal escondida, deixa ainda perceber as torneadas pernocas da ninfa agitando-se no ar.

A parte positiva desta curta viagem encontra-se na ausência.
Não tendo a “obrigação” de ver televisão não tive que aturar o autêntico massacre da reportagem de um acto tão simples como o da trasladação de umas ossadas.
Contam-me que foi uma coisa demolidora.


sexta-feira, 24 de outubro de 2008

A cultura da radicalização é um fenómeno intrínseco das sociedades do século XXI de que os americanos são um exemplo.
A teoria do "quem não é por mim é contra mim" é advogada e expandida pelos responsáveis políticos provocando aquilo a que temos assistido durante a campanha para as presidenciais nos EUA. Os republicanos classificam os democratas de teroristas e comunistas e os democratas apelidam os republicanos de Nazis e fascistas.
Poder-se-ia averiguar quem inicia este tipo de hostilidades.
Creio contudo que não vale a pena.
Não testemunhamos diariamente o que se passa aqui, neste restrito espaço?
Seria preciso uma amostra mais significativa?

domingo, 19 de outubro de 2008


O octogenário já devia ter aprendido que este septuagenário não está tão gagá como ele e tem a grande vantagem de ter uma vida calma sossegada, sem ódios e perseguições, que vive o dia a dia sem dores embora já não arrisque comprar bananas verdes. (Acho esta metáfora super engraçada).

Até o chimbalau que levei no meu PPR por causa do incentivo ao consumo do Bush, que pôs o mundo de pantanas, já pendurei no armário das coisas para esquecer.
Agora, até gostava de ver a descida aos infernos, de tal modo que o ordenado de um dia só desse para comprar uma caixa de fósforos.
Por mim tudo bem. Arranco a relva do jardim e volto como em 1973 a plantar umas couves e a semear umas batatas.

Então não é que o pintor das pintas dos is, produziu uma sentença?

“Post "Título"foi excluido dos Blogues pelo administrador ou moderador do JN, o JMS concorda plenamente porque cheguei a ver o vídio. JMS USA God Bless”

Olha, olha! Ele concorda plenamente.
Com quê?
Viu o quê?
Vou ser aborrecido dado que tenho que fazer um esquema.
Em primeiro lugar nunca tive nada censurado pelo JN. Se alguns textos não foram publicados à primeira ou segunda vez acabaram sempre por sê-lo. Como nunca tive a mania da perseguição, característica de algumas pessoas que conheço e que passam os dias a vitimizar-se, atribuí esses lapsos a erros meus ou do próprio sistema.

Quem publicou o vídeo fui eu o Zé Mata, mais conhecido por comunatuga, membro da turma do funil, mentiroso e suponho que ex-stooger se entretanto não resolverem reanimá-lo – o pateta.
Pela primeira vez, porque para tudo há uma primeira vez, estava a tentar introduzir um vídeo do You Tube no meu blogue JN. Depois de algumas tentativas, porque o Leão não me quer dar umas aulas de informática, alguns sopapos na tola e algumas pragas irreproduzíveis, Eureka, vitória.
O vídeo do You Tube foi apanhado à ganância, foi o que veio à rede, mas sei onde ele está e posso voltar a colocá-lo.
Como era apenas uma experiência e não vinha a propósito de nada, imediatamente o apaguei. Fui eu que eliminei o poste “Título”, porque tal como o apago a ele do meu espaço por causa dos insultos, também posso emendar ou eliminar os meus próprios textos.
Mas ele gosta de mim! Não passa sem mim! Cita-me a todo o instante, por tudo e por nada! Creio mesmo que se me finasse neste momento ele ia morrer de desgosto:
Assim, tendo visto que o post era do PereiradaMata e reparando que desapareceu de seguida logo imaginou que o JN me estava a censurar uma ordinarice como aquelas que vem aqui produzindo.
Pois agora, que já foi promovido a sixniks, diga à gente do que tratava o vídeo já que afirma que o viu e… pasme-se… até concorda com a sua eliminação.
Vou esperar 24 horas (isto agora é só 24 horas para tudo) para nos informar do que viu.
Depois, como já aprendi a meter o videozinho lá no sítio, vou buscá-lo e coloco-o lá de novo. È uma coisa sem pés nem cabeça. Vamos ver o que acontece.

Aposto que ninguém se vai rir perante comportamento tão trágico.
A.M.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

O Empastelador

Até parece que este vocábulo não existe dado que já ficou ali atrás sublinhado a vermelho, forma metafórica de informar que estou escrevendo no “Word”.
A maioria dos dicionários acoplados a sistemas de escrita como o “Word”, são muito básicos e fazem uma cobertura muito reduzida de todo o vocabulário contido num bom dicionário.
Se o termo empastelar existe, principalmente desde que se inventou o prelo e os tipos produziram uma palavra ou linhas ininteligíveis, por excesso de tinta, arrastamento ou outra qualquer razão, é muito natural que ao operador e causador do empastelamento se chame empastelador.
Se me lembrei de falar nisto nem foi por causa da escrita impressa, dado que a maquinaria moderna que agora existe talvez já nem empastele coisa nenhuma.

Os Radares principais são constituídos por um emissor, um receptor, e uma antena se for radar de busca, e uma outra para aproximação, como nos casos de GCA (Ground Controlled Approach). A característica básica dos emissores e receptores usados em radar comparativamente aos usados em comunicações têm potências de emissão muito elevadas e receptores muito sensíveis (com enorme poder de captação de sinais rádio.
Porquê?
Pela razão, facilmente entendível, que o sinal emitido pelo radar tem a função de ser reflectido por obstáculos estranhos (aviões, por exemplo) que se encontrem na faixa de cobertura de um determinado radar. Isto é, o receptor tem que captar uma parte ínfima do sinal emitido quando encontra o obstáculo. Toda a gente se recorda de um avião que devido à forma como foi construído apresentava uma reduzida área de reflexão, tornando-o quase “invisível” para os radares. O sinal captado é então enviado para o PPI (plan position indicator) a que chamamos visor, onde o varrimento provocado pela rotação da antena provoca um ponto luminoso correspondente à reflexão do sinal emitido.
Como sempre acontece, para um sistema logo se arranja um contra sistema.
O período da guerra electrónica encontrou um meio simples e eficaz de impedir a detecção. Para o efeito equipou aviões com sistemas que permitiam descobrir a frequência de trabalho dos radares e em seguida emitia um sinal naquela frequência que nem precisava de ser muito forte dado que era dirigido directamente para a antena que captava os sinais reflectidos.
Isto provocava no PPI um cone luminoso que impedia a detecção de aviões que entrassem nesse sector.
Dizia-se, e consta das técnicas aprendidas, que o radar estava empastelado.

Não encontrei uma forma mais simples de caracterizar aquilo que se está a passar nos Blogues do Leitor com o envio maciço ou massivo (escolham) de fotografias da bela América, desdobradas em five ou six niks do mesmo autor.
Empastelar existe.
Empastelamento também!
Porque raio de carga de água Empastelador é um erro?
Como dizia um amigo meu, quando inventava um neologismo:
- Não existe mas passa a existir!
A.M.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

A América é linda









USA 2008: The Great Depression

Food stamps are the symbol of poverty in the US. In the era of the credit crunch, a record 28 million Americans are now relying on them to survive – a sure sign the world's richest country faces economic crisis

Nota: São quase 3 "Portugais"










sábado, 11 de outubro de 2008

Não pode ser terreno

O argumento mais cretino que ouvi até hoje para criticar qualquer comentário é acusar o seu autor de ter procurado informar-se numa enciclopédia, numa biblioteca ou, o que cada vez vem sendo mais comum, na Internet.
Repetidamente, este argumento vem sendo usado como se fosse uma arma letal contra os inimigos de opinião, e talvez não só, ao mesmo tempo que não ousam levantar a voz para aqueles que repetidamente copiam e colam aqui artigos alheios sem mencionarem a origem.
Uma autêntica vergonha.

Cada um de nós, para além de um determinado mas reduzido conhecimento pré natal, é aquilo que vai assimilando ao longo da sua existência, vendo, ouvindo, lendo… sentindo.
A aprendizagem só termina por incapacidades extremas do foro neurológico e com a morte.
Parece haver agora uma excepção.
Um ser que nasceu possuidor de todo o conhecimento.
Não usa dicionários, não vai a bibliotecas, não compra livros, não vai ao cinema nem ao teatro, nem a uma exposição de pintura, não ouve música, não consulta a net.
Todas as suas opiniões todos os seus ditos são originais. Excepto quando conta anedotas mais velhas que Judas a aliviar-se no deserto.
Já trazia todo o conhecimento à nascença.
Ainda a cabeça assomava para a vida já vinha completo.
Completo, todo pronto… concluído.
Sim, este ser maquinal, tem o direito de criticar todos os consultores.
Ele não consulta.
É um ás.
Matinha

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Corrupção ou imoralidade?

No extinto "Desabafe Connosco" discutimos diversas vezes o grave problema da corrupção e o quanto ela contribui para arruinar a economia de um país, provocar instabilidade social e desmoralizar o seu povo. Se a corrupção não for combatida com violência, mais tarde ou mais cedo tomará conta de todas as áreas da economia, públicas e privadas numa tal escala que tornará difícil qualquer reversão.

A corrupção foi criticada por "Desabafantes" das mais diversas áreas políticas, desviando-se por vezes, é certo, para discutir onde havia mais corruptos, se na esquerda se na direita. Como é evidente a corrupção não tem cores partidárias. Tentar medir onde o grau de corrupção é maior é um "olha o passarinho" para nos distrair do essencial que é denunciá-la e combatê-la.

A imagem que os diversos governos nos têm transmitido no que respeita a medidas concretas para eliminar ou reduzir esta autêntica sanguessuga de mil cabeças, não tem sido nada animadora.
Os poucos casos que são investigados e vão a julgamento levam anos para chegar ao fim ou acabam por prescrever. As leis permitem, a quem tem dinheiro, adiar sucessivamente as audiências e meter recursos pelas mais absurdas razões até que… se chegue à conclusão que afinal o crime compensa.
Há todavia uma corrupção que não é crime. Ou seja era crime se pessoas sem qualquer escrúpulo e com o beneplácito de governos negligentes ou cúmplices não tivessem manipulado as regras a seu favor de modo a usufruírem de regalias como acontece neste caso aqui.
A imoralidade que existe no contínuo aumento do leque salarial no nosso país, não tem paralelo com qualquer outro país da União Europeia. Sendo, como somos, o que tem o salário médio mais baixo, este facto atinge a classificação de autêntico escândalo ou, como diria a minha avó, uma grande sem vergonhice.
A revolta de que somos possuídos nem sequer é atenuada pelo conhecimento de factos com alguma semelhança que acontecem um pouco por todo o mundo.
Se uma empresa seguradora, a AIG, é dirigida por administradores e directores que a conduzem a uma situação de falência, como classificar a atitude desses responsáveis que foram gastar 440 mil euros num hotel de luxo depois do executivo americano ter injectado 85 mil milhões de dólares para salvá-la?
A desculpa: Era uma viagem que já tinha sido planeada um ano antes, como recompensa pelos resultados alcançados.
Se aqueles resultados deram prémio, será que estes vão dar cadeia?
Duvido muito.
A.M.

Carta aberta ao Sr. Luís Delgado

Nem ligaria ao texto se não fosse o título.
O título e a assinatura.
“Quem tem medo desses fanáticos?”, até acorda um morto!

Fui ver.
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Depois de ter deixado de comprar o DN por mor dos seus comentários, precisamente no dia em que resolveu criticar o Governo por ter recebido um dos palestinianos refugiados na Igreja da Natividade, sou agora, confrontado de novo com os seus extraordinários e muito significativos pontos de vista.
Nem sequer vou lamentar o facto de, julgando-me a salvo neste espaço de amadores, vir encontrar aqui transcrições das colunas que mantém noutros jornais.
Claro que o Senhor Luís tem todo o direito de afixar onde muito bem lhe aprouver as suas opiniões, as suas teorias e o seu credo. O espaço é seu.
A sua interpretação/conclusão do fenómeno gerado pelas caricaturas do Maomé está conforme o seu pensamento expresso em outras ocasiões. Tendo escutado no dia anterior Vasco Rato no programa Prós e Contras até fiquei convencido que vocês tinham estabelecido uma estratégia c
onjunta.

O Vasco até não suporta que as mulheres Islâmicas usem burkas. Irrita-se com isso. Tem alergias. Ele acha que elas estão a levar muito tempo a despir-se, mas ouvi dizer que elas acham que as ocidentais estão a despir-se muito depressa.
Eu penso que devia haver um meio-termo entre a burka e o fio dental, embora o fio não me escandalize nada.

Toda a gente tem o direito de se indignar com os costumes das outras civilizações, tal como a minha prima Maria que se assanha toda porque os Zulus têm o estranho costume de fazer o teste da virgindade às mulheres, ou o meu vizinho que implica com as mursis por usarem aquela rodela no lábio inferir. Outro dia contou-me que tinha despedido a empregada quando descobriu que ela era umbanda e tinha o seu próprio Orixá.
Será que os outros não têm o direito de se indignar com os costumes da civilização que o Sr. chama judaico-cristã?

Afirma que nós estamos aterrorizados com o fanatismo Islâmico.
Não se preocupa em saber se os islamitas estão aterrorizados com a ocupação e as guerras impostas pela civilização ocidental.
Israel tem medo que o Irão desenvolva armas nucleares, mas o Irão não pode ter medo que Israel já as tenha?
Perante a sua recomendação “seria bom que a Europa e os EUA se preparassem para um novo conflito”, elevo as mãos a Deus numa prece pedindo-lhe que não permita nunca que venha a ser ministro da defesa de qualquer país. Bolas!
Concordo que se expulse o corpo diplomático do país que transige com os desacatos e ataques a cidadãos ocidentais, mas talvez seja melhor retirar primeiro os nossos? Digo eu que não percebo nada disto.
Mas então, se o Sr. Delgado é analista político não vê que o problema das car
icaturas é apenas a espoleta de um barril de pólvora de que se pretende ignorar existência?
Esta sua intervenção só me espantou por este pormenor: ultrapassou pela direita o próprio Presidente Bush, que pela sua teoria, ao recomendar calma e moderação, se estará a borrar de medo. Acha que sim?
Sabemos ambos que não. Ele apenas pretende que a situação não se agrave no vespeiro onde se meteu, causando mais dificuldades às forças de ocupação.
Creio que desta vez o Sr. Luís Delgado está a criar problemas à política externa dos EUA. Bush não vai gostar.
O meu medo é que as pessoas moderadas, humanistas e pacificadoras não consigam travar os fundamentalistas que de um lado e do outro acirram velhos ódios, incendeiam as relações entre os povos, provocando o caos e a desordem.


A.M. (8/FEV/2006)

A gordura da informação

Quando se descrevem determinadas situações e se omite o nome das pessoas os atingidos amofinam e os desconfiados sentem-se provocados.
De qualquer modo, se a intenção é criticar uma situação, emitir uma opinião, defender um ponto de vista, não é necessário revelar identidades. Neste caso, a crítica é dirigida a um determinado tipo de jornalismo e os personagens são meros acessórios.
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Quando hoje de manhã cheguei ao café da esquina, no respeitoso cumprimento do ritual de reformado, ainda não tinha chegado o jornal com que casei há dois anos em segundas núpcias.
- Empresta-me aí uma coisa qualquer, para ir lendo – falei para o Jorge.
Trouxe-me a bica e um jornal, que por acaso (será por acaso?) é o de maior tiragem neste nosso País, tão menosprezado, tão amesquinhado, mas também, tão amado. Sustida, mesmo a tempo, na pontinha da língua, estacou:
- Tira-me daqui esta merda, que já estou a ficar com comichões.
Deixa-me cá ver se isto por dentro é igual à casca – pensei, entretanto. As cascas que a gente vê nos tablóides costumam reflectir melhor a qualidade do miolo do que, por exemplo, os melões.
Alguns minutos de leitura diagonal foram suficientes. O estilo mantém-se: Títulos garrafais, melodramáticos, catastróficos e definitivos. O corpo da notícia é o alfinete que esvazia o balão!
Exemplo:
Lê-se “Raptada e violada por criminoso”. Imaginamos o quê?
Eu pensei que tinha sido raptada num sinal vermelho, durante o sono, pela calada da noite, à boca do metropolitano, à saída do elevador; sob ameaça de pistola, spray adormecente, navalha de ponta e mola; amordaçada, encapuçada, carregada dentro dum saco e enfiada na mala de um Mercedes. O problema se calhar é meu que vejo muitos filmes “amaricanos”.
Afinal a história era bastante diferente.
Lida toda a notícia encontrada no miolo, ficamos a saber que o criminoso era amigo da família da vítima. Pese embora o seu notável cadastro, era também íntimo de algumas personalidades da nossa “hight society”. Foi em liberdade condicional que ele se tornou amigo do marido da “raptada”, e quando esta se divorciou, ele ficou lá em casa a fazer segurança, acabando ambos por se envolverem intimamente.
O sequestro e o rapto mais não são do que episódios do quotidiano em que estala o desentendimento e alguma violência entre casais desavindos.
Parece que neste caso, como a vítima é personalidade conhecida, a história vale bom dinheiro. Condimentada e guarnecida a preceito é um pitéu para qualquer jornal do crime, seja qual for o título ou a tiragem.
- Oh, Jorge, traz-me mais uma bica que já estou a ficar nervoso!
A.M. 11/FEV/2006

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Editorial (Dez.1997)

Dezembro de 1997 - Editorial da revista o "O Voador"

Quando medeiam alguns anos entre duas afirmações contraditórias produzidas pela mesma pessoa, ela pode sempre argumentar que entretanto a situação se alterou e que foi obrigada a fazer uma adaptação à nova realidade. Pode, também fazer um desmentido.

Para atenuar a má impressão que isso possa causar tem ainda a possibilidade de acusar os adversários de pouco imaginativos, monocórdicos ou mesmo de terem engolido uma cassete.

Mas quando o intervalo entre essas duas informações incoerentes e contraditórias é apenas o tempo que dura um almoço, a justificação torna-se mais difícil. A não ser que ele tenha sido bem regado, facto que nunca poderá servir de argumento por razões óbvias.

Conheci um criador de gado para abate que lamuriava pelo baixo preço das reses no mercado, mas barafustava com violência pelo preço que lhe pediam pelos bifes no talho.

Toda a gente se lembra com certeza do sketch da saudosa Ivone Silva sobre o enorme conflito que existia entre a Olívia patroa e a Olívia costureira.

Calígula, por exemplo, era um verdadeiro sofista na sua crueldade: declarava que puniria os cônsules se eles celebrassem o dia de festa instituído em memória da vitória de Accio e que os puniria se não o celebrassem.

Vem tudo isto a propósito da campanha para as autárquicas que alguns candidatos já estão fazendo. Não serão tão cruéis como Calígula, mas são certamente tão sofistas como Protágoras. Sem terem o cuidado de ler os seus discursos anteriores, defendem agora o que criticaram e criticam o que defenderam. Conforme a hora e o local são pró ou anti regionalistas; condenam as promessas dos opositores que eles próprios mantém nos seus programas eleitorais.

Estão convencidos que os eleitores não se apercebem das contradições e falsas promessas.

Até quando?
A.M.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

A profiláctica menina-de-cinco-olhos

Ainda não me esqueci que na escola primária dava erros que me fartava. Ás vezes era mais de uma dúzia! Como é que me havia de esquecer se por cada erro levava um bolo com a menina-de-cinco-olhos.A gente ficava a olhar para a palma da mão enquanto ela se avermelhava deixando cinco pontinhos brancos na sua superfície. Era lindo!
Depois criei o vício da leitura. Ele era o Diabrete, o Mosquito e o Mundo de Aventuras. Depois chegou o Emílio Salgari e Sandokan, O Tigre da Malásia, a que se seguiu o Júlio Verne e o Miguel Strogoff e o Mathias Sandorff e mais aquelas léguas todas pelo ar, no subsolo e debaixo d'água.
Quando tinha catorze anos já devorara de uma penada quase toda a colecção do Camilo que por acaso havia lá em casa e me tinha exaurido em lágrimas com o peso de tanta tragédia. Às tantas não havia controlo, tudo o que viesse à mão era para ser lido. Bom e mau!Mary Love, por exemplo, mais o seu Chauffeur Russo, tinha muita saída naquela época em que o romantismo ainda não tinha morrido totalmente. E então o Rabelais? Nessa altura li as "Lúbricas" e creio que até hoje nunca mais li nada do Rabelais. Mas aquele era "muita" bom! Contribuiu muito para a minha formação nessa específica vertente.
Claro que devo isto tudo à televisão, ou seja, à falta dela. A minha mãe chamava-me para almoçar duas ou três vezes e eu respondia que já ia, que estava mesmo a terminar aquela folha.
Hoje, chamo os meus netos para virem para a mesa e eles:
- Já vamos! O filme está mesmo a terminar.
Acabei por me apaixonar pela minha língua. Tanto, que tenho remorsos por não ter reservado mais tempo para o seu estudo. Sinto mesmo que lhe poderia ter dedicado toda a minha vida.Por essa razão, embora aceite que a juventude esteja a inventar uma nova escrita baseada em iniciais, abreviaturas e símbolos, eu, apesar dessa compreensão, já não tenho estaleca para iniciar outro aprendizado, mesmo agora que nem nos antiquários se encontra uma menina-de- cinco-olhos.
Há lá alguma coisa mais cativante do que construir uma frase?! Se um erro me dá um calafrio, dois erros provocam-me uma constipação. Os meus erros, como é evidente.
Não é por isso de admirar que esteja sempre com o pingo no nariz.
Mas que luto? Lá isso luto!
Nestes espaços em que trocamos e discutimos ideias não é bonito andar a comentar os erros gramaticais que cada um de nós possa cometer por isso existe uma espécie de acordo tácito para o evitar. Mas como não há regra sem excepções isso já tem acontecido algumas vezes. Pessoalmente não me importo que me corrijam, seja no aspecto gramatical ou sintáctico, até agradeço.
Nesta época de extraordinário desenvolvimento tecnológico temos á nossa disposição equipamento adequado para nos alertar dos erros cometidos. Embora a maior parte das vezes escrevamos directamente no "sítio", aconselho vivamente o uso do Word, que não sendo perfeito é, contudo, um óptimo instrumento para aprendermos a escrever o mais correctamente possível. Depois é só copiar e colar. Mesmo com muitas falhas alguns aspectos como os erros de concordância são também detectados. Uma limitação que o sistema apresenta é o da observância dos contextos. Se eu escrever, por exemplo:"Quando entrei no cons0lado de Portugal em Marrocos, fiquei consulado com a recepção, o Word, impávido e sereno, fica mudo. Contudo, noutros tempos, dava direito a dois bolos com a menina-de-cinco-olhos.
Desculpem o devaneio.
A.M.

A Relatividade

Fico muito deprimido por só agora aos 71 anos de idade ter entendido como afinal era tão fácil deixar de ser mal alimentado, mal educado, alcoolizado, sebento, desastrado, presunçoso, arrogante, ignorante, orgulhoso, vaidoso, imodesto, emproado, pedante, convencido, afectado, empertigado, enfatuado, soberbo, presumido, snob, altaneiro, altivo, desdenhoso, sobranceiro, fanfarrão, bazofiador, emproado, pimpão, impostor, chamborgas, farronqueiro, bugalhão, gabarolas, jactancioso, ufano, chançudo, insolente, petulante, magestoso, intolerante, inflexível, rígido e fanático.
Bastava-me ter embarcado num “super constelation” para as Américas e logo ao poisar o pé em solo ameríndio passaria a ficar bem alimentado segundo a escola Macdonaldoidana, bem-educado, abstémio, asseado, hábil, modesto, moderado e… por aí fora.
O erro foi-me induzido, embora involuntariamente, pelo Pranto. O Pranto era um vizinho que trabalhou nos EUA no tempo em que os índios ainda criavam alguns problemas aos colonizadores. Já velho, regressou a Portugal e vivia modestamente dos rendimentos. Contava inverosímeis estórias de Cowboys que deliciavam a criançada. Falava das dólares com muita frequência como se fosse o elo de ligação com o seu passado de aventura, e não largava por nada o típico chapéu à Gary Cooper. A gente pagava-lhe em géneros. Lia-lhe as notícias do jornal diário pois era analfabeto. Com ele aprendemos a dizer camone, charape, teicarisi e gudenaite, absolutamente suficientes para representar os diálogos nas nossas brincadeiras do farueste, à tardinha, depois das aulas.
Não fosse ter tirado as medidas ao Novo Mundo pela bitola do Pranto e talvez eu não fosse a besta que sou hoje.
O Destino marca a hora!
Onde é que eu já ouvi isto?
Ah, pois, canta Tony de Matos!
A.M.

DESALMADAMENTE

Quando um dia destes liguei a televisão estava a dar o programa "Fátima" onde duas cartomantes com os respectivos partenaires e uma ex-miss tratavam de desenferrujar a língua comentando a vida das famosas personalidades do nosso jet-set.
Enquanto punha os pratos na mesa para o almocinho, ouvi:- Amavam-se desalmadamente! Lancei o rabo do olho para o ecrã. Era a ex-miss que dissertava sobre a desavença conjugal de um casal de que nunca ouvi falar, mas que parece ser muito importante, pois eles estão sempre a dizer em relação aos comentados - "que todo o Portugal conhece".
Parece que tinha sido um mal entendido e tudo havia de se recompor perante tal paixão. A primeira coisa que qualquer ser pensante faz quando o seu ouvido se sente "ferido" é procurar a causa. Neste caso não era preciso perder muito tempo dado que sendo o "des" prefixo de negação facilmente se concluía que o casal visado não tinha alma. Nem um, nem outro. Será possível que dois humanos desprovidos de alma sintam e usufruam de tão nobre sentimento como é o amor? - interroguei-me. Mais tarde, enquanto tomava a minha bica, ainda matutava naquela intrigante expressão, pelo que me fui ao dicionário que por acaso até estava ali mesmo à mão.
Desalmadamente: brutalmente/ ferozmente/ perversamente, reza o De Moraes. Cá estava a explicação. Inclusivamente a explicação para a zanga do casal.
A.M.

sábado, 4 de outubro de 2008

Enviando um foguetão para o espaço

Condicionado pelas alarmantes notícias sobre segurança com que somos bombardeados todos os dias, já não tenho vida própria.
Não abro a porta da rua sem me certificar através do sistema vídeo, entretanto montado à pressa, quem é o mânfio que toca à campainha; à noite, não me deito sem vasculhar todos os quartos e armários para confirmar que não há invasores; a minha mulher de pistola aperrada, com ordem para atirar a matar segue-me na vistoria; durante a noite, ao mais pequeno ruído, acordo em sobressalto e vou ajustar trancas e fechaduras; pela manhã, saio para a bica da praxe, mas vou munido do meu velho apito e agora também de um spray paralisante; tomo muita atenção a possíveis sinais que os gatunos têm a mania de pintar nos umbrais das portas para assinalar que o momento é favorável e espeto-lhe logo uma pintura em cima, que se lixam; ainda bem que as portas do carro se trancam automaticamente logo que começamos a andar pois podia-me esquecer de o fazer e nos primeiros sinais, tumba, era assaltado. Eh pá, eu sei lá!
Normalmente não ando com mais de dois euros no porta-moedas e para alguma compra que os exceda meto uma nota de cinco dentro do sapato. Suspeitando que a tipa que me telefona para oferecer um serviço de banda larga mais em conta é agente de qualquer bando criminoso, dou um nome falso. Mas como não tomo atenção ao número de vezes que isso acontece, outro dia uma funcionária disse-me:
- Oh Sr. Mata deixe-se de brincadeiras. Desse número já me respondeu o Epifânio da Silva, o Jeremias Falcato e o Miguel Cervantes. Eu sei que é o senhor. Vá lá, temos aqui um belo pacote de canais de TV a preços reduzidos.
Outro dia fui assaltado mesmo à porta de casa por duas mulheres. Quando uma delas se inclinou para abrir a pastinha que trazia consigo, assustei-me, julguei que ia sair revólver. Afinal apontou-me uma colorida brochura das Testemunhas de não sei quê, que pensando bem, não é arma que se aponte a ninguém dada a sua
perigosidade.
Agora avisam-me que o perigo vem pela Net.Até apelidam de louco quem não usa meia dúzia de pseudónimos. Que até o pentágono é assaltado, acrescentam. Dão cabo das redes de comunicações, invadem os ficheiros secretos, bloqueiam os serviços de segurança, é o demónio à solta!Eu sei que não tenho a importância do pentágono, mas sei lá, podem tomar-me por um quadrado ou mesmo um triângulo e violarem a minha lista de endereços ou o meu livrinho de notas pessoais. Sabe-se lá!
Bem, pelo menos, rectifiquei uma ideia que tinha. Julgava que estava a ficar maluco e afinal maluco é quem não se cuida. Por isso vou já a correr arranjar meia dúzia de pseudónimos.
Porreiro, pá!

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

O Negócio da Morte


Tenho andado a fugir de falar em mortos desde que apareceram por aqui uns caixões.Bem bonitos por sinal. Creio, porque os americanos não brincam em serviço, que sejam feitos de material biodegradável, excepto, claro está, que se destinem a ficar no mausoléu da família.
Vem agora Laranjalima "desenterrar" outra vez os caixões para especular sobre o peso da alma e vai daí, aguilhoado pela insistência, dou continuidade ao tema deixando ao vosso critério avaliar da seriedade com que o faço.
Naquela época a miudagem da escola arrepiava-se toda quando ouvia contar que fulano ou sicrano já tinha mandado fazer um caixão à sua medida e que colocado em pé ao lado do guarda-vestidos aguardava o momento de ser usado.A gente não conseguia compreender como é que podia haver alguém que conseguia dormir com um objecto daqueles no quarto e levámos muito tempo para perceber que, afinal, essas pessoas só conseguiam dormir descansadas depois de deixarem tudo arrumado, principalmente a sua entrada no outro mundo. Era por isso natural ouvir a nossa avó dizer que já tinha a roupinha que devia levar vestida na ocasião,arrumadinha na última gaveta da cómoda do seu quarto. E o lençol e os sapatinhos também.
Só muito mais tarde, já com penugem nos queixos, consegui avaliar que apesar de tudo havia uma evolução positiva.
Tempos houveram, afinal, em que os caixões tinham dois buracos no sítio dos olhos do morto para ele poder ver a luz do dia, ou que alguns até tinham uma saída falsa para poderem ir dar uma volta.
Ao perceber-me que isto era uma evolução e não uma involução desatei a acelerar. Foi nessa altura que li um livro de ficção que tinha alguma coisa a ver com este assunto.Tratava-se de uma sociedade racional, isto é, vivia á base da razão. Entre muitos "disparates", havia um procedimento, que há luz do conhecimento actual era tão premonitório como foram "As 20.000 léguas submarinas" do querido e inesquecível Júlio. Em todos os bairros de todas as cidades havia instalações próprias para onde as pessoas se dirigiam muito natural e calmamente, quando entendiam que já não tinham mais utilidade para a sociedade. Faziam uma festa de despedida com a família e lá iam com um sorriso nos lábios entregar-se nas mãos dos técnicos devidamente qualificados que os ajudavam a ir desta para melhor.
Dou-me agora conta de ter usado "ir desta para melhor", dito popular revelador de que as coisas por cá já andavam tão mal que mesmo desconhecendo o que se passava do outro lado, entendiam que não podia ser pior. Também me estou a dar conta que se é verdade que os índios já encaravam a morte com a naturalidade que é mostrada no anúncio e algumas sociedades africanas fazem há séculos três dias de festa com o morto sentado num tronco assistindo ao farrobodó, o que deve haver é uma involução, já que os americanos, com a mania de servirem copos e salgadinhos nos velórios, não fazem mais do que contribuir para a racionalização da coisa mais natural do mundo – a morte! Tão natural que faz parte da própria vida – sem uma não haveria a outra.Tal e qual como comer.
Assim, é tão espontâneo o florescimento do comércio de “comes e bebes” como o de caixões.Bem, acontece, que as funerárias apercebendo-se que cada vez há mais pessoas a pedirem para ser assadas, ou cremadas, ou lá o que é, já introduziram as urnas de todos os géneros, tanto para se biodegradarem dentro de água como no chão do quintal debaixo da nespereira. Afinal não fazem mais do que estar atentas ao evoluir das tendências do mercado.
Em Itália, por exemplo, as mesmas gajas boas que promovem os Ferraris, estirando-se languidamente sobre o capot daquelas super máquinas, acumulam outra actividade projectando as suas belas e contornadas formas no comércio dos caixões.
Tudo muito natural, tudo prá frentex!
Por mim tudo bem. A minha mulher já me disse:
- Afinal ainda não disseste se querias ser cremado ou enterrado.
- Caramba – digo eu – quero lá saber o que vocês fazem com a matéria que de qualquer modo vai ser apenas pó. Pisem-me todo e cortem-me às postas para dar mais arrumação.
Afinal se alguma coisa sobrasse só podiam ser aqueles 21 gramas de espírito, que em Marte pesariam muito menos e no espaço etéreo não teriam peso nenhum.
A.M.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Prefácio

… para um maço de folhas de A4 dobradas ao meio, constituídas em cadernos, devidamente cosidas, coladas e encapadas, onde registei algumas memórias.

Mandei assassinar o freixo que eu próprio plantei junto ao portão. Algumas árvores que cultivei ao longo da vida morreram de morte natural, ou de alguma doença que a minha inépcia não permitiu cuidar; esta, depois de mais de trinta anos de existência, foi executada no início da primavera do ano de 2003. Já as primeiras borbulhas despontavam nos ramos ainda nus, quando um algoz munido de potente moto-serra cumpriu a sentença. Enquanto decorria a operação do desmembramento, lento e doloroso, o carrasco procurava justificar a legalidade do acto, na vã tentativa de me confortar:- Está no seu terreno, você é que a plantou, portanto…Eu ainda arrisquei:- Pois é, também plantei dois filhos no mundo, e nem por isso sou dono das suas vidas. Mais tarde veio uma máquina que arrancou a raiz, deixando no chão um estigma que me atormentou durante muito tempo. A magnólia, que nunca viu o freixo por se encontrar no lado oposto da casa, não se apercebeu do crime e ofereceu-me a sua sombra para me revigorar. E pensar.Creio que foi nesse dia que resolvi fazer a última das três coisas que dizem ser imprescindíveis para um homem se considerar realizado. Não especialmente por esta razão, mas por sentir necessidade de deixar registadas algumas coisas que ao longo dos anos fui escrevendo aqui e ali e juntar-lhe mais alguns episódios dos meus 67 anos de vida. Agora, enquanto houver memória, é o tempo.Quero ainda confessar que não sou homem de pedantices, pelo que não tenho a pretensão megalómana de construir um romance, uma novela, nem sequer um diário. Serão folhas dispersas, algo desordenadas, que só o meu passatempo de encadernador e as tecnologias informáticas permitiram constituir em livro, ou não-livro se preferirem.
Algumas histórias verdadeiras, outras nem tanto, editoriais que publiquei no “O Voador”, cartas que enviei para alguns jornais, comentários sobre diversos assuntos e talvez até mesmo uma ou outra anedota, são o conteúdo deste apesar-de-tudo-trabalho.Para terminar resta-me acrescentar que são os meus netos os primeiros destinatários. Não fossem eles nem a ideia me teria surgido. Pretendo que, como adultos, possam corrigir o registo que, como crianças, fizeram de um período das suas vidas. Espero que me saibam encontrar, pois eu estou aqui.
A.M.

Loucura Nacional

Pelo que ouvia contar ao meu avô, mas principalmente pela leitura de autores do início do século passado, a honra era uma coisa que se preservava e regava todos os dias para não fenecer.
Havia quem se suicidasse se perdesse o seu bom-nome na praça pública e era vulgar o ofendido procurar o agressor para lhe arrefinfar umas bengaladas nos costados. Houve mesmo um escritor que foi de propósito de Lisboa ao Porto para usar a sua bengala num colega que tinha tecido algumas considerações a seu respeito que o revoltaram.

Há um conto, "A confissão", de Miguel Torga, em que o personagem é acusado de ter morto um homem. Preso e torturado vê-se obrigado a fugir do país. Regressa à sua aldeia muitos anos mais tarde precisamente no dia em que tinha morrido um amigo de infância. De modo casual e natural (façam o favor de ler) soube que o morto é que tinha sido o assassino, pelo que se dirigiu à casa mortuária. Transcrevo a espectacular parte final:
“O cadáver jazia ainda sobre a cama, já vestido, à espera do caixão”. A passos lentos aproximou-se e fitou durante alguns momentos a figura hirta e mirrada do defunto. De repente, num ímpeto, deitou-lhe as mãos às abas do casaco, ergueu-o e rouquejou fora de si:
- Estás morto, é o que te vale. Mas mesmo assim não vais deste mundo sem duas bofetadas na cara, covarde! E deu-lhas.

”Os tempos são outros. Muita coisa mudou. Talvez fosse um bom exercício tentar descobrir as razões porque hoje, com o maior à vontade, se insultam as pessoas, acusando-as de tudo e mais alguma coisa, sem o mais pequeno fundamento e pelas razões mais mesquinhas. Talvez, então, conseguíssemos compreender o que dá voz a Alberto João Jardim e silencia Cavaco Silva.

Será porque o uso de bengala está fora de moda?

O PONTÃO

Diversas vezes ao longo dos anos falámos sobre o assunto, mas nunca consegui compreender a razão da sua última vontade.Sim, bem sei que um dos meus ídolos, George Harrison, manifestou desejo idêntico, mas todos conhecemos o seu apego à Índia na busca de uma espiritualidade que o completasse.
Também não tinham sido depositadas no Ganges as cinzas de Gandi?
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Reunimo-nos todos no dia 31 de Maio de 2008 às 11 horas da manhã na nossa terra natal e no sítio do Pontão depositámos nas águas do Tejo a urna biodegradável que continha as suas cinzas. Precisamente no sítio onde no verão nos banhávamos mal terminavam as aulas.
Malta! Vamos para o pontão?
Vamos!
A.M

Ninguém

Logo à saída do elevador no 4º andar da clínica onde se situam os cuidados paliativos está um poster em que se destaca a frase: “Qualidade de vida até ao fim”. Talvez a maioria dos doentes não passe por este local, ou passando não o veja, ou vendo-o não o leia, ou lendo-o já não tenha o discernimento suficiente para perceber que vai entrar no corredor da morte, embora, como enunciado, com toda a qualidade possível. Se alguém, por maior sacana que seja, não se emocionar com isto, só pode ser... ninguém.

Confusão de sentimentos

Para além de muitos outros comportamentos e sentimentos, também é sinal de patriotismo regozijarmo-nos com a vitória de uma equipa portuguesa sobre uma equipa estrangeira, independentemente de ser ou não o clube da nossa simpatia.
Vem, este comentário, a propósito da derrota do FCP frente ao Arsenal e das diversas manifestações, que aqui e noutros locais, têm sido produzidas.
Não consigo conceber que por facciosismo clubista, ou outro qualquer (não merecem ser referidos), haja um português que se sinta feliz com a derrota de um clube nacional perante uma equipa estrangeira e, o que ainda é mais criticável, use esse facto para humilhar os adeptos desse clube ou da própria região onde ele se insere.
Por vezes acontece que um presidente ou um treinador de um determinado clube se mostra vaidoso e arrogante perante as vitórias. Imediatamente sinto que quem não sabe gerir convenientemente o sentimento de vitória e exorbita, merece ser castigado, para aprender a ser mais comedido. Mas esse sentimento nunca se sobrepõe ao orgulho que sinto pelo êxito de uma representação nacional no estrangeiro e pela humilhação que me avassala perante um insucesso.

Claro que este desabafo não vai merecer nenhum reparo sem que se procure averiguar a minha cor, a minha idade, filiação e naturalidade, para tentar encontrar uma razão que não seja apenas ditada pela formação ética e pela educação.
Estou couraçado perante esse tipo de investidas.
A.M.
PS. Já confessei aqui que sou simpatizante do Belenenses (talvez devido á tendência natural de me posicionar ao lado dos mais fracos), mas revelo em primeira mão que o clube da minha afeição é SCB, 36ª filial do SCP.
Nem na "Liga dos Últimos" jamais apareceu...!